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Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Cobertura de Bolsonaro no 7 de Setembro ilustra falhas da isenção jornalística

Peça de Guel Arraes e Jorge Furtado na véspera da eleição presidencial de 2022 debate imparcialidade da imprensa

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Guel Arraes e Jorge Furtado, criadores de alguns dos melhores programas exibidos pela Globo nas últimas décadas, acabam de publicar uma peça. “Foi escrita na urgência dos acontecimentos políticos do Brasil em 2021. Será filmada e encenada assim que possível e reescrita assim que necessário”, avisam.

A atualidade atroz de “O Debate” levanta questões necessárias. Arraes e Furtado se propõem a discutir o jornalismo no Brasil nestes tempos sombrios. O alvo nítido é a TV, mas a paulada serve a jornais e sites.

A história se passa na véspera da eleição presidencial de 2022, em uma emissora, durante a transmissão do último debate da campanha, entre os candidatos Bolsonaro e Lula. Pensando em como será a reportagem com o resumo do evento, dois jornalistas conversam.

“Não quero ser isento. Quero ser justo”, diz Marcos, 60 anos, editor do telejornal. “Qual a diferença?”, pergunta Paula, 40 anos, apresentadora do mesmo telejornal e ex-mulher do editor.

Isento é neutro, isento de culpa. O isento se isenta, não faz nada, não escolhe, ou acha que não escolhe, porque na verdade escolhe, sim, escolhe não fazer nada. Nós fazemos, e porque fazemos, temos que ser justos, temos um poder muito grande”, responde Marcos.

Não é preciso ir muito longe para enxergar o problema que Arraes e Furtado querem enfrentar. A cobertura dos atos golpistas protagonizados por Bolsonaro no 7 de Setembro estão aí para ilustrar o tamanho do buraco com clareza. Após o presidente dizer que não vai respeitar decisões do ministro Alexandre de Moraes, incitando os seus apoiadores contra o STF, apenas a Globo se referiu ao discurso como “golpista”. Na hesitação em chamar as coisas pelo nome, as concorrentes falaram em “ataque” e “crítica”.

No esforço de agradar o presidente, é preciso fazer justiça e nomear um campeão, o SBT. A emissora de Silvio Santos conseguiu superar os rivais e exibiu, ao final do seu principal telejornal, os quase 20 minutos do discurso golpista de Bolsonaro em São Paulo. Uma versão atualizada do infame quadro "A Semana do Presidente", criado na ditadura. O apresentador Bruno Peruka, do Cidade Alerta, na Record, merece menção honrosa —ele falou em “dia histórico para a democracia”.

Ao longo da peça de Arraes e Furtado, os dois personagens encontram tempo para também discutir o fim do casamento, um desvio de rota inesperado, que acrescenta humanidade ao texto —e o torna mais atraente para uma eventual encenação na TV. Ou no streaming.

Mas o foco é o jornalismo. A certa altura, Marcos e Paula concordam que Bolsonaro está se saindo melhor do que Lula no último debate, mas divergem sobre como mostrar isso. É uma discussão que evoca o erro cometido pela Globo no debate entre Collor e Lula de 1989.

“Não é hora de subir no muro, ser imparcial”, defende a jornalista. “A verdade é sempre a melhor escolha”, responde ele.

“Nós não temos o direito de tomar partido, dizer quem venceu o debate. Ser isento ou ‘justo’, como você prefere, nessa hora vai parecer que estamos apoiando um cara que foi responsável por centenas de milhares de mortes por não acreditar na vacina”, argumenta Paula.

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