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Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Descrição de chapéu Coronavírus cracolândia

Garantir moradia para as famílias em situação de rua é uma prioridade na pós-pandemia

São Paulo virou um acampamento de sem-teto nos seus espaços públicos

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O espaço público de São Paulo voltou a ser ocupado pela cultura e sociabilidade no feriado de Tiradentes, que marcou simbólica e, talvez, precipitadamente, o fim da pandemia. Quase não se usa mais máscara e o poder público liberou aglomerações, praticamente sem controle. Aos poucos, a cidade vai voltando ao "normal", enquanto um novo vírus não vem.

Apesar de a prefeitura ter "cancelado", de forma discriminatória, apenas o Carnaval de Rua e ter se omitido na sua organização, a força da cidadania cultural e o desejo dos jovens de ocuparem o espaço público, exercendo seu direito à folia, foi mais forte do que um decreto municipal. A alegria, a música e a sociabilidade voltaram para as ruas, ainda que timidamente, sem incidentes.

Apesar dessa constatação, seria incorreto dizer que, após o longo período de isolamento, a cidade voltou a ser ocupada pelas pessoas, usando o conceito cunhado pelo urbanista Jan Gehl.

Barracas sob o Viaduto do Glicério, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Isso porque, durante a pandemia, o espaço público foi dura e tristemente ocupado por pessoas e famílias que ficaram desabrigadas e sem qualquer alternativa de moradia. São Paulo virou um acampamento de sem-teto nos seus espaços públicos.

As ruas e praças se tornaram o lugar de abrigo de milhares de pessoas. Em dois anos, segundo censo realizado pela prefeitura, ocorreu um aumento de 31% na população em situação de rua e de 230% no número de barracas, que alcançou a marca de quase 7.000.

Alterou-se o perfil dos moradores. Tradicionalmente, essa população era formada majoritariamente por homens, com dependência de álcool e drogas, problemas de saúde e desajustamentos familiares.

Agora, ocorre maior presença de famílias, cujos responsáveis foram despejados e perderam a moradia alugada. Quase 28,4% da população em situação de rua perdeu recentemente o trabalho e a renda. Daí a grande presença de famílias (30%) e a significativa presença de crianças.

As barracas expressam a mudança do perfil dessa população e representa o desejo de famílias recém-despejadas de buscar alguma privacidade e reproduzir, ainda que singelamente, um ambiente doméstico. É comum encontrar junto às barracas, sofás, colchões, travesseiros, malas, brinquedos e outros objetos domésticos.

Praças tradicionais da cidade, como a Sé, a Marechal Deodoro, a República e o Anhangabaú, assim como o túnel do final da Paulista, estão tomadas por barracas e por moradores em situação de rua. Isso para não falar da praça Princesa Isabel, onde o poder público e o tráfico confinaram a chamada cracolândia, que se tornou um lugar deprimente, totalmente ocupado por dependentes químicos.

Essa é a imagem do espaço público que voltou a ser ocupado pela cultura e pelos blocos de Carnaval na pós-pandemia. É constrangedor assistir ao contraste entre os foliões e folionas coloridos, irreverentes e alegres e o cenário desolador das ruas e praças tomadas por barracas e pela população em situação de rua.

Essa situação perdura já há bastante tempo sem que qualquer iniciativa pública significativa seja tomada. O problema da população em situação de rua é estrutural e difícil de ser enfrentado, mas pode ser equacionado por partes e ser minimizado.

A prioridade deve ser reintegrar as famílias e pessoas que foram viver na rua nos últimos dois anos em decorrência da perda de renda gerada pela crise pandêmica. São pessoas que podem ser reinseridas com maior facilidade e rapidez se forem retiradas da condição degradante em que se encontram.

O passo inicial seria acolher essas famílias com um programa habitacional de caráter emergencial, como uma versão 2.0 da bolsa aluguel e a implementação do Serviço Social da Moradia, previsto no Plano Diretor e que nem sequer foi regulamentado pela prefeitura.

O programa precisa ser acompanhado de trabalho social, recuperação das condições de saúde, requalificação profissional e reinserção no mercado de trabalho. Esse pode ser o passo inicial para um progressivo processo de equacionamento em maior escala do problema.

A prefeitura da maior e mais rica cidade brasileira, que está com o cofre cheio e sem projetos estruturantes, não pode protelar a implementação de políticas públicas para a população em situação de rua.

A experiência internacional mostra que, mesmo em países muito mais ricos que o Brasil, a eliminação completa do problema da população em situação de rua é impossível. Mas, se houver disposição pública para enfrentá-lo, ele pode ser enfrentado com bons resultados.

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