Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.
Ajudar as crianças é uma ótima ideia
Medidas podem criar adultos mais saudáveis e produtivos, e isso pode levar a um PIB mais alto no futuro
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Algumas coisas na política dos Estados Unidos são completamente previsíveis, mesmo em um período de insurreição e de insanidade QAnon. Quem quer que tenha prestado atenção durante os últimos 10 anos sabia que, assim que os democratas tomassem o controle da Casa Branca, os republicanos instantaneamente fariam uma mudança de rumo de 180 graus com relação ao déficit orçamentário.
Basta recordar que o Partido Republicano apontava a dívida pública como ameaça à existência do país durante o governo Obama mas se tornou completamente indiferente a ela na era Donald Trump.
Certamente ninguém deve ter se surpreendido por os republicanos terem voltado à histeria quanto ao déficit agora que Joe Biden é presidente.
Por que os republicanos voltaram a alardear a fobia à dívida? O argumento usual deles é o de que a dívida federal é um fardo para as gerações futuras; eu e outros comentaristas dedicamos tempo considerável a tentar provar que essa é uma visão econômica incorreta.
Mas deixemos de lado o aspecto econômico do debate. Políticos que se declaram terrivelmente preocupados com o futuro do apoio às crianças dos Estados Unidos não deveriam, por exemplo, tentar ajudar a criança dos Estados Unidos hoje?
Não estou propondo uma questão hipotética. Os democratas aparentemente estão preparando um projeto de lei que ofereceria pagamentos mensais de assistência à maioria das famílias americanas que incluem crianças e que poderia, entre outras coisas, reduzir à metade o número das que vivem na pobreza.
Um aspecto especialmente bom da legislação em preparo é que os democratas enfim se libertaram do enquadramento republicano sob o qual cada benefício deve tomar a forma de um crédito tributário. O novo projeto aparentemente pretende desembolsar dinheiro de maneira direta às famílias que se qualifiquem.
Presumindo que os democratas consigam por fim derrotar a tentativa de Mitch McConnell de impedir que partido que venceu a eleição assuma o controle do Senado, os republicanos terão em breve de votar sobre esse projeto de lei. E como justificarão votar contra ele?
O retrospecto necessário: os Estados Unidos se destacam, entre os países ricos, por seu fracasso em prover ajuda às famílias com crianças. Os gastos dos Estados Unidos com benefícios à família, como proporção do PIB (Produto Interno Bruto), são inferiores a um terço da média entre os países ricos. E em boa parte como consequência disso, temos uma proporção muito mais alta de crianças vivendo na pobreza do que é comum entre nossos pares.
Essa mesquinharia causa muitos danos. Economistas já demonstraram que ampliações passadas da assistência às famílias que incluem crianças, como a extensão gradual dos programas de assistência alimentar nas décadas de 1960 e 1970 e a do programa federal de saúde Medicaid nos anos 80, não só melhorou a vida das crianças em curto prazo como fez das beneficiárias da ajuda adultos mais saudáveis e produtivos do que costumava ser o caso antes que a assistência existisse. Ao não fazer mais pelas crianças, estamos prejudicando seu futuro, e assim o do país.
Mas temos condições financeiras de fazer mais? Estimativas independentes sobre o custo de alguma coisa como a proposta democrata que vem sendo reportada apontam para um custo de US$ 120 bilhões anuais. Para colocar a questão em perspectiva, isso equivale a apenas metade da perda de receita que será causada em 2021 pelo corte de impostos adotado em 2017.
E a ajuda a crianças realizaria aquilo que muitos dos proponentes do corte de impostos prometeram mas não foram capazes de cumprir: uma melhoria nas perspectivas econômicas de longo prazo dos Estados Unidos. Se as crianças que ajudarmos hoje crescerem e se tornarem adultos mais saudáveis e produtivos do que seria o caso de outra maneira –e elas com certeza o farão– isso se traduziria em um PIB mais alto no futuro.
E ajudar as crianças também auxiliaria indiretamente o orçamento, porque as beneficiadas mais tarde pagarão mais impostos e a probabilidade de que dependam dos programas de previdência social será mais baixa. Esses benefícios fiscais podem até ser grandes o bastante para bancar o custo da assistência às crianças, e de qualquer forma significariam que o custo real no auxílio, mesmo em termos fiscais estreitos, seria inferior ao que pode parecer.
No cômputo geral, portanto, assistência ampliada às famílias que incluem crianças é realmente uma boa ideia. Melhoraria imediatamente as vidas de milhões de americanos, nos tornaria mais fortes no futuro e seus custos orçamentários seriam modestos. Assim, como é que os republicanos do Congresso poderão se opor a isso? Porque você sabe que a maioria deles, se não todos, o fará.
Uma resposta, é claro, está em gritar sobre responsabilidade fiscal e confiar em que a memória dos eleitores seja muito curta.
Outra resposta é que eles afirmarão que o governo Biden e seus aliados têm uma “agenda esquerdista radical” –porque ajudar a manter as crianças alimentadas e abrigadas certamente é prova de marxismo fanático– e esperarão que os eleitores não escutem o que os democratas estão de fato propondo. (Isso se aplica a muito mais do que a assistência às crianças: pesquisas apontam que, quanto a questões como os impostos e a saúde, os republicanos, e não os democratas, são os radicais cujas posições estão fora de contato com a opinião pública.)
Por último, também é seguro que venhamos a ouvir alguma versão do argumento padrão dos conservadores, de que qualquer política que reduza a miséria reduz o incentivo a que as pessoas se tornem autossuficientes –você sabe, o seguro-desemprego encoraja as pessoas a ficarem desempregadas, a assistência alimentar as encoraja a serem preguiçosas, e assim por diante. Defender esse argumento com relação a um programa de base ampla para ajudar as crianças será difícil, mas eles certamente encontrarão uma maneira.
Algo que não espero, porém, é qualquer forma de argumento apresentado de boa-fé contra a assistência às famílias com crianças. Isso não equivale a dizer que a proposta democrata será perfeita; sem dúvida os especialistas descobrirão aspectos dela que poderiam ser melhorados. Mas gastar mais dinheiro com as crianças é uma ótima ideia, econômica e moralmente, e deveria se tornar lei.
Tradução de Paulo Migliacci
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