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Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

Descrição de chapéu STF

Medo da cadeia faz Bolsonaro escolher Kassio, e isso é bom!

O garantismo assegura a Bolsonaro o devido processo legal, negado a seus adversários

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Por que Jair Bolsonaro indicou Kassio Marques —para todos os efeitos, um garantista— para o Supremo? Porque, sendo inculto, não é burro e é capaz de aprender com a experiência, inclusive aquela que o levou à Presidência, fagocitando o juiz-celebridade dos tolos, que havia engaiolado seu adversário por meio de uma condenação sem prova, referendada pelos parças do TRF-4.

O “Mito” percebeu que, tudo o mais constante, seu destino inexorável é a cadeia. “Está acusando o presidente de ter cometido algum crime, Reinaldo? Seja claro!” Não neste artigo. Já o fiz dezenas de vezes. No dia 29 de março de 2019, diga-se, antes de ele concluir o terceiro mês de mandato, apontei aqui ao menos quatro crimes de responsabilidade então consumados. Na minha conta, já são 19.

O objeto deste artigo é outro. Mesmo que Bolsonaro fosse inocente como as flores, o encontro com o xilindró está em seu destino porque essa é a metafísica influente. E isso vale para qualquer governante. Este país manteve encarcerado um ex-presidente da República condenado sem prova e contra o que dispõem o artigo 283 do Código de Processo Penal e o inciso LVII do artigo 5º, cláusula pétrea da Constituição.

O juiz federal Kássio Nunes Marques, 48, escolhido por Bolsonaro para ocupar a vaga que será deixada pelo ministro Celso de Mello no STF - TRF-1

Ainda que Bolsonaro possa achar intimamente que seus olhos azuis deveriam lhe conferir certa vantagem comparativa sobre um nordestino moreno, sabe intuitivamente que, a depender do alarido, isso pode ser até um agravante. Lula, o maior líder popular da história do Brasil, foi alvo, “sob vara” (by Celso de Mello), de uma condução coercitiva espetaculosa e ilegal. A investigação que levou Sergio Moro a tomar essa decisão durou quase cinco anos e foi arquivada. Nem denúncia houve por falta de provas.

O presidente não leu Shakespeare, mas intui que a necessidade impõe estranhos companheiros de trajetória. Sua súcia de lunáticos na internet —da qual ele é cada vez menos dependente— não compreende e se ressente do que seria um flerte do líder com a “velha política”.

Bolsonaro riu de orelha a orelha quando viu Wilson Witzel cair em desgraça. Mas certamente não lhe escapou que o adversário incidental, alvo da fúria de seus aliados na Procuradoria-Geral da República, foi afastado do cargo sem ter tido a chance de ao menos apresentar a defesa. Foi punido antes da aceitação da denúncia. Não há uma miserável palavra impressa que justifique a decisão.

Se o presidente tiver realmente aprendido a lição, indicará no ano que vem, para a vaga de Marco Aurélio, um nome mais terrivelmente garantista —evangélico, católico, umbandista ou adorador da natureza, como os aborígenes australianos.

Moro, desgostoso com o insucesso da empreitada rumo ao poder, resolveu refletir no Twitter: “As tentativas de acabar com a Lava Jato representam a volta da corrupção. É o triunfo da velha política e dos esquemas que destroem o Brasil e fragilizam a economia e a democracia. Esse filme é conhecido. Valerá a pena se transformar em uma criatura do pântano pelo poder?”

Huuummm...

Antes da Lava Jato, entende-se, o Brasil era terra arrasada, com a economia em frangalhos e sem democracia, certo? Ele acredita ter deixado como legado uma fase de prosperidade, luzes e devido processo legal! Impressiona-me menos o ressentimento do que a parvoíce. Mas é a indagação final que desperta minha curiosidade. A quem se dirige?

Parece-me que é Moro falando com Moro —também Deltan Dallagnol mandava mensagens para si mesmo no Telegram. Ali está a confissão de que o objetivo era mesmo “o poder”. E criaturas “do pântano” são todas as que não concordam com o juiz universal, inclusive aquela a quem se aliou antes, durante e depois da eleição, vilipendiando o Poder Judiciário.

O presidente escolher garantistas para o STF não o preserva necessariamente de seus eventuais crimes, mas pode significar, ao menos, o direito ao devido processo legal, coisa negada a Lula e a Witzel. Desde a “Ilíada”, convém que o poderoso veja como exemplo, advertência e vaticínio o destino de seus adversários. “Bolsonaro nem sabe o que é ‘Ilíada’, Reinaldo”. Não faz diferença. Basta que intua.

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