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Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

Condenação de Dallagnol expõe conivência da imprensa com terror jurídico

Que o jornalismo não mais abandone a Justiça em favor de justiceiros; o 'jurista' Reinaldo Azevedo segue atento

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A imprensa não militante —chamava-se "grande" antigamente— deveria ter aproveitado a punição aplicada pelo STJ a Deltan Dallagnol para fazer um mea-culpa. Por 4 votos a 1, o tribunal decidiu que o ex-procurador tem de pagar ao ex-presidente Lula multa de R$ 75 mil, valor que ainda será corrigido, numa ação por danos morais.

O agora pré-candidato a deputado federal está indignado e já anunciou uma suposta vaquinha espontânea na internet, que teria arrecadado quase o dobro desse valor. Faz chacota da Justiça.

A imprensa condescendeu com todos os métodos ilegais a que recorreu a Lava Jato. Foi além. Tornou-se sua beneficiária à medida que repórteres se transformaram em clientes de procuradores e delegados no mercado negro dos vazamentos. O espetáculo grotesco do PowerPoint, no dia 14 de setembro de 2016, destroçava o devido processo legal.

O ex-procurador Deltan Dallagnol - Evaristo Sa-26.set.19/AFP

Dois dias depois, como revelou a Vaza Jato, Dallagnol foi ao Telegram para bater um papinho com Sergio Moro, seu chapa e juiz incompetente e suspeito. Sabia que a peça acusatória —refiro-me à impressa e oficial— era inepta.

Considerou, então: "(...) Como a prova é indireta, ‘juristas’ como Lenio Streck e Reinaldo Azevedo falam de falta de provas. Creio que isso vai passar só quando eventualmente a página for virada para a próxima fase, com o eventual recebimento da denúncia, em que talvez caiba, se entender pertinente no contexto da decisão, abordar esses pontos".

Para quem não entendeu: ele estava tentando justificar, diante do chefe, a patuscada do PowerPoint. E explica que apelou àquele troço para imputar a Lula um crime que servia a fins propagandísticos apenas.

Com despudor peculiar, expõe: "Não foi compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema era necessária para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente não compreendeu por que colocamos ele como líder para imputar 3,7MM [R$ 3,7 milhões] de lavagem, quando não foi por isso, e sim para imputar 87MM [R$ 87 milhões] de corrupção."

Bingo! Embora a denúncia oficial se referisse ao apartamento —e o próprio Moro admitiu em embargos de declaração inexistir nexo entre as obras da OAS e o tríplex de Guarujá, o que significa ausência de provas—, o objetivo era "imputar R$ 87 milhões de corrupção" a Lula, tratado na coletiva como "comandante máximo do esquema de corrupção" e "maestro da organização criminosa".

Ocorre que também a acusação de que o petista comandava uma organização criminosa virou uma ação penal, senhores leitores! Tramitou na 10ª Vara Federal de Brasília. O ex-presidente foi absolvido pelo juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, que apontou uma "tentativa de criminalizar a política".

Saibam: o Ministério Público Federal nem sequer recorreu. Ah, sim: Moro deu a maior força àquele que é agora seu colega de partido: "Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme."

O então juiz atendeu ao pedido de seu pupilo: ao condenar Lula, ignorou a peça acusatória inepta e se fixou no... PowerPoint! Uma aberração.

Prisões preventivas a perder de vista, conduções coercitivas ilegais, mandados de busca e apreensão despropositados, criminalização de doações legais de campanha... Era o terror jurídico a tratar as garantias do devido processo legal como conivência com corruptos. Moro, Dallagnol e outros subiram na vida, mas a indústria de construção pesada no Brasil quebrou, destruindo milhares de empregos.

"Mas e a corrupção?" Vejam o Ministério da Educação, transformado num verdadeiro templo de vendilhões. Os mistificadores querem convencer os tolos —com algum sucesso, posto que tolos— que a lama de dimensões bíblicas em que se afunda o governo Bolsonaro, ao qual Moro serviu, decorre do que chamam "desmanche" da Lava Jato.

Não! A Lava Jato é que desmanchou algumas defesas que tinha o sistema político, tornando-o poroso a certo tipo de pistolagem que a operação, em vez de combater, promoveu, a exemplo dos "justiceiros" das redes sociais que se fizeram políticos. Não é mesmo, Moro? Não é mesmo, Dallagnol?

Que a imprensa profissional nunca mais abandone a Justiça em benefício de justiceiros. O "jurista" Reinaldo Azevedo segue atento.

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