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É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

Descrição de chapéu Diplomacia Brasileira

Afastamento entre Brasil e Argentina pode ser 'soft' ou 'hard'

Novas juras de 'pragmatismo' não escondem fosso entre Bolsonaro e Fernández

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A poeira entre o governo Jair Bolsonaro e a equipe de Alberto Fernández baixou, mas o cenário da relação entre Brasil e Argentina continua desolador. Buenos Aires e Brasília terão posições opostas em várias áreas, a começar pelo Mercosul. Desde que retornaram à democracia, os dois vizinhos nunca estiveram tão distantes. A questão agora é se o afastamento estratégico será —no linguajar do brexit— “soft” ou “hard”.

Do lado brasileiro, o governo finalmente silenciou sua metralhadora de insultos. Bolsonaro havia chamado de “bandidos” os vencedores da eleição argentina e profetizado uma “nova Venezuela” no Cone Sul. Na semana passada, ele recuou e prometeu “pragmatismo”.

O presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, durante a apresentação de seu gabinete em Buenos Aires nesta sexta (6) - Juan Mabromata/AFP

A reação de Fernández foi imediata. No dia seguinte, o argentino avisou que recebeu “com alegria” o recado de Bolsonaro. Quer também “pragmatismo”, garantiu.

E, como em tantas outras áreas, coube ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, empurrar a posição do Brasil em direção ao bom senso. Maia se encontrou na quinta-feira (5) com Fernández e o novo presidente do Congresso, Sergio Massa.

Quando Bolsonaro havia se recusado a parabenizar o peronista pela vitória nas urnas, Maia o fez em nome do Brasil. Em recente viagem a Nova York, o deputado defendeu a investidores a vitalidade da democracia argentina e recusou a ideia de que os vizinhos são parte da onda de instabilidade que varre Equador, Bolívia, Chile e Colômbia.

Ao lado de Maia nesta semana, Fernández anunciou duas nomeações-chave: Felipe Solá será chanceler e Daniel Scioli, embaixador no Brasil. Ambos são cardeais do peronismo mais moderado, ex-governadores da Província de Buenos Aires —Scioli perdeu a eleição para Mauricio Macri, em 2015.

A política da bile e dos insultos parece superada (ao menos por enquanto). Mas, objetivamente, as posições dos vizinhos são antagônicas em temas centrais —e o choque é inevitável.

O epicentro da divergência será o Mercosul e suas duas questões fundamentais: o futuro da Tarifa Externa Comum (TEC) e os acordos extrarregionais de livre comércio.

O governo Macri já tinha uma posição muito mais cautelosa do que o Brasil quanto aos cortes na TEC. Em vez de uma redução rápida e abrangente, argentinos queriam um corte gradual e por setor. A discussão avançava lentamente e estancou quando ficou claro que Macri perderia a reeleição.

Com Fernández, cuja equipe econômica estuda retomar impostos sobre exportação e ampliar barreiras a importações, a negociação sobre a TEC ganha contornos surreais.

E gente importante no novo governo argentino rejeita o acordo Mercosul-UE. Em junho, Paula Español —que será uma das principais vozes sobre política comercial— escreveu que o pacto “apenas exacerbará problemas estruturais” da Argentina. O futuro chanceler Solá mantém uma posição mais ambígua, porém diz que o Congresso jamais aprovará o acordo.

A Argentina não fará o Brasil mudar sua visão sobre comércio —a única área da política externa de Bolsonaro que encontra apoio real fora dos círculos bolsonaristas. O atual plano comercial vem da era Michel Temer e é a face externa da agenda de reformas. Com a vitória da centro-direita no Uruguai, Argentina será o único sócio do Mercosul contrário a uma guinada.

Fernández também tem poucos incentivos parar abrandar sua posição. Ele foi eleito justamente porque propunha uma ruptura com a agenda econômica do macrismo. Politicamente, a oposição ao bolsonarismo lhe é conveniente. 

Uma pesquisa da consultoria Poliarquía e do Wilson Center, de Washington, revelou que, com Bolsonaro, o número de argentinos com uma imagem positiva do Brasil caiu de 66% para 57%. Entre eleitores que desaprovam Macri —a base que elegeu Fernández—, a cifra é de 45% (atrás até do Reino Unido, o ex-inimigo nas Malvinas, com 48%).

Pragmatismo será uma precondição para se evitar uma crise bilateral. Mesmo um afastamento “soft” demandará enorme habilidade diplomática —atributo ultimamente em falta no Brasil.

As opiniões expressas acima não refletem necessariamente a posição do Council of the Americas

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