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Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

Paraíso infernal, o Brasil?

Somos um país tão oximorônico que demos um jeito de abafar o termo

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Hoje eu gostaria de falar de uma palavra valorosa que vem sendo terrivelmente oprimida no Brasil. Tudo por causa de um quiproquó prosódico tolo e desnecessário, daqueles que são tão caros à alma bacharelesca nacional.

Não é nada que vá mudar os rumos da República, mas vale a pena contar essa história porque, como diz o provérbio, o diabo mora nos detalhes. Estou falando de oxímoro, termo erudito de retórica que significa "figura de linguagem em que se fundem num só enunciado duas ideias excludentes". Sabe o "contentamento descontente" de Camões?

Infelizmente, todas as maiores autoridades brasileiras da língua puxam a orelha de quem quer que escreva ou pronuncie oxímoro assim, como proparoxítono —ou tente fazer isso, pois os revisores são pagos para não deixar. Dizem que o certo é oximoro, termo paroxítono ("oximôro"), e fim de papo.

Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 28.fev.22/Folhapress

Resultado: falantes de boas intenções, não querendo infringir a lei nem passar por ignorantes, mas ao mesmo tempo nem um pouco dispostos a empregar palavra tão desgraçada e torta de alma como "oximoro", preferem simplesmente não usá-la. E aí chegamos ao pior dos mundos —a autocensura, o silêncio.

A gratuidade da encrenca é o que incomoda mais. Além de mais disseminada (certo, entre os poucos que a conhecem e usam, mas você entendeu), oxímoro é no mínimo uma forma tão aceitável quanto a concorrente à luz da história da língua.

Registre-se que em Portugal a forma condenada no Brasil é de longe a preferida —a única, aliás, que consta no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa.

O Priberam, bom dicionário digital lusitano de acesso gratuito, traz as duas opções. Sim, há desses momentos em que nosso pedantismo academicista supera o do povo que nos legou tal tesouro.

Será preciso acrescentar que "oximôro" ainda passou a arrastar atrás de si, nos últimos anos, os desagradáveis ecos do nome de um juiz desonesto?

O Houaiss também embarca no veto ao oxímoro proparoxítono, mas parece saber que não deveria fazer isso. Tanto que se defende numa nota: "Quanto à acentuação da palavra, este dicionário preferiu seguir em português a prosódia latina à grega, como o fizeram Rebelo Gonçalves, Laudelino Freire, Aurélio etc".

Grego e latim, pois é. A palavra nasceu no primeiro como "oxymoron" (para depois migrar para o segundo como "oxymorum") pela junção num só corpo das ideias de agudo, afiado (oxy) e embotado, estúpido (moros). Ou seja, o oxímoro também é um oxímoro!

Cada pessoa que julgue o quanto há de afiado ou de estúpido na decisão de bloquear o acesso dos falantes a uma de duas vias etimológico-prosódicas tão claras.

Para encontrar um caso de oxímoro brasileiro de peso em minha estante, sou obrigado a recorrer ao clássico "Dicionário de Termos Literários", de Massaud Moisés.

Ali leio que o oxímoro, conhecido desde a Antiguidade, "alcançou grande voga durante a hegemonia do Barroco (século 17), mas seu emprego continua até os nossos dias, inclusive na linguagem cotidiana, em expressões como ‘ilustre desconhecido’".

A subutilização da palavra (e logo também da ideia) no Brasil é lamentável por várias razões. Entre elas a de privar muita gente de uma boa arma retórica para dar conta da vida em país tão oximorônico —paraíso infernal, inferno edênico, gigante anão— e num mundo não menos oximorônico de lixo luxuoso perpetuamente reciclado e elevado a potências maquinais.

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