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Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

Vigiar, premiar e punir

Sistema de monitoramento na China pode levar à exclusão de empresas do mercado

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Na província chinesa de Jiansu, sensores instalados nas fábricas transmitem em tempo real para o governo informações sobre a emissão de poluentes de cada empresa. Automaticamente, a nota da empresa no sistema de crédito social da província é ajustada.

Outras informações relacionadas à “confiabilidade” da empresa são processadas pelo algoritmo do sistema, como a qualidade de seu produto ou a segurança dos trabalhadores. 

A pontuação nesse sistema de crédito serve para premiar e punir e, assim, contribuir para a aplicação da lei e influenciar o comportamento das empresas na direção que o governo julga correta. Uma empresa com nota alta terá acesso a taxas de juros menores, mais oportunidades de participar de licitações públicas, sofrerá menos inspeções.

Notas baixas implicam o oposto e podem levar uma empresa a ser excluída do mercado. 

O governo chinês pretende colocar em pleno funcionamento, em nível nacional, um sistema de crédito social para todas as empresas que operam no país até 2020. Experiências-piloto indicam que o sistema fará uso de tecnologias avançadas de big data e utilizará informações de redes sociais e de monitoramento de vídeo.

Para o sistema funcionar como esperado, as notas de todas as empresas serão públicas.

Uma companhia perderá pontos se decidir, por exemplo, contratar um fornecedor que tenha nota baixa —informação portanto de interesse público. O sistema acaba gerando pressão sobre toda a cadeia de suprimentos e usa a força do mercado (e que mercado!) para influenciar diretamente o comportamento das empresas. 

O sistema de crédito social está entre as políticas chinesas mais criticadas pela imprensa ocidental nos últimos anos. O foco até agora esteve na avaliação dos indivíduos. A inclusão das empresas no sistema é uma dimensão menos conhecida dessa política. 

A abertura econômica na China se faz acompanhar —ou contrabalançar— por novos mecanismos de controle que empregam o poder do Estado, do próprio mercado e de novas tecnologias. O enorme rastro digital gerado pela atividade empresarial na China aumenta a eficácia desse controle. Com um monitoramento efetivo sobre o comportamento das empresas, há menos razões para as barreiras mais tradicionais de acesso a mercado, como limite de participação de capital estrangeiro em setores críticos.

Gostem ou não, para as empresas estrangeiras na China o sistema é inescapável. Naturalmente, sobram preocupações com transparência, dificuldades para questionar uma nota ruim e acesso do governo a informações comerciais sensíveis. 

Fora da China, o sistema é frequentemente tratado como distópico, intrusivo, como expressão do tecno-autoritarismo chinês. Não faltam comparações com Big Brother e com a série “Black Mirror”, da Netflix.  ​

Por outro lado, para muitos chineses —indivíduos e empresas—, o sistema é uma solução pragmática para aumentar o grau de confiança na sociedade, punir quem precisa e, algo tipicamente chinês, trabalhar em conjunto para promover harmonia social.

Num país em que cerca de 300 mil crianças adoeceram por causa de leite adulterado em 2008 e que hoje vê metade do seu rebanho suíno dizimado por uma epidemia, muitos tratam com naturalidade o uso da tecnologia para conter fraudes e induzir bom comportamento.

Enquanto analistas tentam entender essas perspectivas tão diferentes, as empresas que operam na China —inclusive as brasileiras— não têm alternativa a não ser fazer o dever de casa e tirar uma nota alta.

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