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Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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O marco atemporal do genocídio

Quem dera fôssemos um país onde a leveza do respeito pesasse mais do que genocídio

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Palavras pesam como objetos. Ao menos deveriam. “Genocídio”: tem o peso do facão que corta a garganta; o peso escarlate da bala no corpo; o peso ígneo da Amazônia em chamas; o peso dos tambores na frente do STF a lembrar os ministros que o Brasil é uma terra indígena. Quem dera fôssemos um país onde as palavras tivessem o peso.

Ao contrário, somos o país das tergiversações. A matança chamamos de progresso; o genocida, de presidente; o marco temporal, de argumento. Ao congelar as terras indígenas àquelas habitadas por estes povos em 1988, o marco temporal é falacioso na descrição da realidade, perverso em seu efeito e inconstitucional como tese jurídica.

Eis o porquê. Falacioso porque o marco temporal descreve um país que não existe, no qual povos indígenas não teriam sido expulsos de suas terras (foram antes de 1988 e ainda o são) e no qual haveria muita terra para pouco índio (terras indígenas ocupam apenas 14% do território). É urgente construir alternativas econômicas em locais de conflito e fortalecer a fiscalização.

Perverso porque o marco temporal serve para regularizar a dizimação de povos indígenas. Maior eficiência se daria com investimento em tecnologia, na agricultura, e com recuperação das pastagens desgastadas, na pecuária. O grosso da produção agropecuária se dá em estados com baixa presença de terras indígenas; o marco apenas serve ao esbulho sangrento de terras.

Inconstitucional porque o marco temporal não está na Constituição, nem implicitamente. Os direitos indígenas são originais desta terra, não do pacto de 1988. Basta ler os anais da Assembleia Constituinte.

Eis Ailton Krenak, em 5 de maio de 1987: “Não estamos pedindo absolutamente nada a ninguém, estamos sim exigindo respeito por sermos os primeiros habitantes desta terra que hoje chamam de Brasil. Somos habitantes originários deste lugar.”

Quem dera fôssemos um país onde a leveza do respeito pesasse mais do que genocídio.

Indígenas de diversas etnias protestam pelas demarcações de suas terras e contra o novo marco temporal - Pedro Ladeira/Folhapress

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