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A coluna é assinada pelo jornalista Mauro Zafalon, formado em jornalismo e ciências sociais, com MBA em derivativos na USP.

Líder mundial nas exportações líquidas de alimentos, parte do Brasil passa fome

Maior dificuldade para o consumidor é acompanhar a evolução dos preços externos

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O Brasil, o maior exportador líquido de alimentos do mundo, passa fome. O setor vem conquistando números impressionantes nos últimos anos, e as exportações acumuladas em 12 meses já atingem US$ 140 bilhões (R$ 716 bilhões). Na última década, esse valor sobe para US$ 1 trilhão (R$ 5,1 trilhões).

Nos sete primeiros meses deste ano, o país exportou o correspondente a US$ 78,1 bilhões (R$ 399,5 bilhões) em produtos destinados à alimentação humana e animal. No mesmo período, importou o correspondente a US$ 7,8 bilhões (R$ 39,9 bilhões).

Para cada US$ 1 importado, o país conseguiu US$ 10 nas exportações neste ano. No final dos anos 1990, essa relação era de apenas US$ 1 por US$ 3.

Mesmo com tão bom desempenho, a produção do agronegócio não chega a boa parte dos consumidores nacionais. Pesquisa do Datafolha indica que 33% dos entrevistados relataram não ter comida suficiente na mesa.

Geladeira vazia em casa na região de Parelheiros, zona sul de São Paulo - Karime Xavier - 18.nov.2021/Folhapress

Se o agronegócio vai bem, a economia, não. Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, diz que a função do agro é produzir. E ele produz, afirma. O poder de compra dos consumidores, porém, deve ser gerado por políticas de emprego e de renda dos governos, segundo o ex-ministro.

Dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) indicam que o rendimento real habitual caiu 5,1% no segundo trimestre deste ano, em relação a igual período do ano anterior. Quando comparado ao segundo trimestre de 2020, a queda é de 11%.

Na contramão dessa queda de rendimento, os alimentos tiveram uma disparada de preços desde o início do governo Bolsonaro. Na média, a inflação geral subiu 28% desde o início de 2019, enquanto os alimentos ficaram 54% mais caros. Em alguns casos, como o do óleo de soja, a alta no período foi de 208%, conforme dados da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

O agronegócio realmente cresce, e foi favorecido pelos bons ventos externos e internos. Externamente, os produtos brasileiros estão chegando a uma nova classe consumidora, e com renda maior, principalmente na Ásia. Enquanto no Brasil, mais consumidores são afastados dos alimentos devido à perda de renda e dos altos preços.

Internamente, o desarranjo da economia elevou a taxa de desemprego, mas o dólar alto tornou os produtos brasileiros mais baratos no exterior, facilitando as exportações.

As receitas obtidas permitiram uma expansão e modernização do setor. Esse mesmo dólar trouxe, porém, os custos externos elevados para dentro do país.

O Brasil consegue uma expansão invejável na produção de grãos. Em 2010, eram 150 milhões de toneladas. Neste ano, o potencial chegou a 300 milhões de toneladas, volume não atingido devido a adversidades climáticas. O país deverá produzir 272 milhões.

O país avança, no entanto, nos produtos voltados mais para o mercado externo, em detrimento dos produzidos para consumo interno.

Em um mercado mundial de demanda aquecida e elevação de preços, alguns produtos dão aos agricultores maior liquidez, como a soja.

Dos 24,2 milhões de hectares semeados em 2010, a oleaginosa deverá ser plantada em 43 milhões nesta safra 2022/23.

Esse avanço ocorre, no entanto, não só em novas áreas, como em espaços ocupados por culturas tradicionais. No Rio Grande do Sul, a área de soja passou de 4 milhões de hectares, em 2010, para 6,4 milhões no ano passado.

Já a cultura de arroz, menos competitiva do que a de soja, teve uma redução de 1,2 milhão para 957 mil hectares no mesmo período no estado. Os gaúchos são os maiores produtores nacionais de arroz. Em 2020, o cereal teve aumento de 77% nos supermercados nacionais.

O feijão, outro produto presente no dia a dia da alimentação do brasileiro, também vem perdendo espaço para a soja. A área nacional recuou de 4 milhões de hectares, em 2010, para 2,8 milhões em 2022. No Paraná, um dos líderes na produção da leguminosa, o recuo foi de 15% no período.

A produção nacional de feijão caiu, e os preços internos subiram 124% nos últimos três ano e meio, conforme os dados da Fipe, referentes à cidade de São Paulo.

Além da produção menor de alguns produtos, o aumento das exportações traz para dentro do país o patamar externo de preços, aquecidos ainda mais pelo dólar elevado.

A exportação de milho, um cereal que cada vez mais ganha espaço no mercado externo, faz com que produtos básicos à alimentação da população de menor renda, como a farinha de milho e o fubá, fiquem inacessíveis. Desde o início de 2019, o fubá acumula alta de 77%, bem acima da inflação média do período, que foi de 28%.

O Brasil melhorou muito também a produção de proteínas, graças ao mercado externo. Os preços internos, porém, tiram o consumidor de menor renda do mercado.

A carne de frango acumula alta de 91% desde o início de 2019; a bovina, 71%; e a suína, 55%, patamares bem acima do da inflação. Tradicionalmente, um pouco mais de 20% da carne bovina produzida ia para o mercado externo. Esse percentual esteve próximo de 30% em anos recentes.

A demanda externa aqueceu os preços. No início de 2019, a tonelada de carne era negociada pelo Brasil a US$ 3.750 no mercado externo. No mês passado, estava em US$ 6.549, segundo a Secex (Secretaria de Comércio Exterior).

A elevação dos preços traz, ainda, distorções no mercado interno. O quilo de picanha, acessível aos consumidores de maior renda, subiu 52%. Já o do acém, consumido pelos de menor renda, aumentou 97%.

O aumento dos preços dos alimentos não depende apenas de decisões internas do quê produzir, mas também do mercado externo, que tem forte demanda.

Os mercados estão totalmente interligados, e a maior dificuldade para o consumidor brasileiro será acompanhar a evolução dos preços externos, uma vez que a renda interna está bastante deteriorada.

Essa crise não tem uma data para acabar. A FAO mostrou, na sexta-feira (5), que os preços externos estão recuando, mas ainda continuam em patamares recordes.

Para o analista Ivan Wedekin, o equilíbrio mundial de alimentos só virá após duas boas safras mundiais de grãos.

Se isso não ocorrer, a baixa renda do brasileiro fará com que ele seja um dos mais afetados na disputa pelos alimentos, devido aos elevados preços internacionais.

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