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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

Confinamento e caráter nacional

A pandemia expõe o que o brasileiro pensa do bem comum

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Embora tenhamos notícias claras sobre o que se passa na Europa e na China, só agora caiu a ficha de que aqui também ficaremos confinados em casa, mais dia, menos dia.

É importante ressaltar que essa medida radical não acontece porque o vírus é terrivelmente letal —não há bicho-papão na rua—, mas porque ele atingirá a população massivamente e não haverá leito de hospital suficiente para os casos graves previstos, aumentando enormemente sua letalidade.

A questão é matemática.

A crise é mundial, mas é enfrentada com a cultura local, revelando os valores de cada povo. O que essa crise diz da forma como os brasileiros pensam o bem comum? O que escancara de um presidente que descumpre as recomendações que os profissionais de saúde do mundo todo estão tentando arduamente transmitir para salvar vidas?

Epidemias têm raça, gênero e classe social, pois embora possam alcançar a todos igualmente, não encontram as mesmas condições de prevenção, tratamento e suporte econômico nos diferentes estratos da população.

Quantas pessoas caberão no SUS —desmantelado pelo governo— e no sistema privado de saúde antes que todos os leitos estejam ocupados? Quem ficará à míngua por não ter direitos trabalhistas que lhe permitam ficar em casa? Quem cuidará de quem?

No próximo capítulo da crise, veremos a Covid-19 atingindo em cheio as pessoas que —ao contrário do que o ministro da Economia diz— nunca viajaram para a Disney. A partir daí, será a “pandemia brasilis”.

Abstraindo as terríveis perdas econômicas, as inevitáveis mortes previstas, o efeito catastrófico na cambaleante economia de nosso país e nas diferentes classes sociais, começamos também a pensar na experiência de confinamento em si daqueles que até podem, mas não deveriam sair de casa.

Escuta-se dos pacientes em análise uma preocupação com o confinamento, no qual não haverá com quem deixar as crianças —nem escola, nem profissionais, nem avós—, não poderemos fazer as atividades habituais que nos satisfazem, as que são necessárias ou simplesmente as que preenchem nosso tempo e, por outro lado, teremos que fazer as que comumente delegamos aos outros.

Conviveremos de forma inusualmente intensa com os mais próximos o que, para alguns, será inédito. Os mais velhos —principalmente— se verão privados de familiares e amigos, situação que pode agravar quadros de sofrimento psíquico e doenças psicossomáticas.

Estamos sempre ocupados demais para pensar em nossos problemas, nossa vida amorosa, para estar junto aos filhos. Mas eis que a pandemia nos joga numa espécie de filme de Kubrick —no caso, “O Iluminado”, como bem lembrou Gregório Duvivier.

O vislumbre dessa experiência já tem provocado seus efeitos no divã, que vão do desespero à reflexão. No plano individual, teremos a chance de encarar o que mais pesa quando nos movemos para fora de casa: a necessidade de sobreviver, a aspiração pessoal ou a tentativa —limitante e sofrida— de fugir das relações e de si mesmo.

Já no plano coletivo, o combate à pandemia depende da população privar-se da circulação habitual com a intenção de proteger sua parcela mais vulnerável.

A palavra-chave aqui é solidariedade que, segundo o Aurélio, significa “sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses e às responsabilidades dum grupo social, duma nação, ou da própria humanidade”.

Para quem se diz patriota, boa hora para pensar nos outros e empunhar a bandeira do SUS.

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