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Descrição de chapéu Artes Cênicas

Diretora do célebre Théâtre du Soleil estreia no Festival de Curitiba

Francesa Ariane Mnouchkine encena 'As Comadres', comédia musical de tintas feministas

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Rio de Janeiro

“Agora vamos fazer com as músicas. Não é só para cantar, é para interpretar as canções”, diz Ariane Mnouchkine enquanto dirige o elenco de 20 mulheres.

O ensaio começa e logo é interrompido pela diretora. Houve uma entrada errada, um problema de marcação de cena, segundo explica uma das atrizes. “Ah, então quer dizer que a culpa é minha?”, brinca Mnouchkine, no seu costumeiro humor irônico.

Coincidência ou não, é um humor que se assemelha ao de “As Comadres”, comédia musical que a francesa encena no Brasil e que estreia na próxima semana no Festival de Teatro de Curitiba —depois, fará uma temporada no Rio e negocia outra em São Paulo.

O texto de Michel Tremblay estreou no Québec do fim dos anos 1960 e sacudiu o teatro canadense da época. Foi pioneiro no país ao utilizar o “joual”, um falar popular quebequense, e retratar o olhar da classe operária feminina.

Na montagem daqui, parte-se da versão musical adaptada pelo também canadense René Richard Cyr em 2010. É a concepção de Cyr (cenários inclusos) que a francesa utiliza na montagem, tanto que diz que o que faz não é direção, mas a supervisão geral do trabalho. “Nessa história, eu sou a pessoa que a transmite. É isso, eu a transmito”, explica ela.

A história, porém, segue a mesma do original: Germana Lauzon, uma dona de casa, é agraciada com 1 milhão de selos promocionais, desses que podem ser trocados por produtos diversos, e chama colegas para ajudar a colar tamanho número de adesivos.

A situação começa cômica, e logo desemboca para o drama. O privilégio da protagonista desperta inveja nas outras e elucida dramas da classe operária e das mulheres.

“Vi essa versão em Paris e amei. E a peça de Michel Tremblay revolucionou o teatro canadense de 1968 e os direitos das mulheres no país. Achei que essa história ressoaria no Brasil de hoje de uma maneira muito forte”, comenta a diretora de 80 anos lembrando a recente ascensão do conservadorismo. 

“Mas não é isso, também é uma peça muito boa”, segue ela, segundo quem boa parte da força do espetáculo está no rigor com que alterna monólogos, dando voz a cada uma das personagens, e o coro, reforçando o coletivo. 

“É um campo de batalha, de expressão e de progresso.” Mas aqui, por ser um musical, deixa-se de lado o realismo, que marcou a montagem original de 1968, e se adentra o fabular, tão comum à linguagem do Soleil. 

“Não é realista, mas não deixa de ser verdadeiro. Ele é sempre verdadeiro na forma teatral, que pra mim é um veículo profundo de emoção. De risos e lágrimas.”

“As Comadres” é o primeiro trabalho de Mnouchkine fora de seu célebre Théâtre du Soleil, grupo que ela ajudou a fundar nos anos 1960 e é ainda hoje uma das maiores referências no teatro mundial.

A peça é um projeto gestado pela própria diretora e as atrizes brasileiras Juliana Carneiro da Cunha (que trabalha no Soleil desde os anos 1990), Fabianna Mello e Souza (ex-Soleil) e Julia Carrera (que assina a tradução), além da produtora Renata Pina.

“Pensamos primeiro em fazer a etapa de estudos na Cartoucherie [galpão que abriga a sede do Soleil, antiga fábrica de armamentos militares nos arredores de Paris]. Depois decidimos fazer no Rio, e montamos uma pequena Cartoucherie aqui”, diz Carrera.

O espírito do Soleil, onde até hoje os integrantes se dividem em todas as funções —da criação de espetáculos à faxina— e recebem o mesmo salário, acabou por guiar a produção brasileira. “A questão no salário igual se repete aqui”, diz Carneiro da Cunha. “E até mesmo a falta de salário”, continua a encenadora.

Isso porque o projeto teve início quase sem verbas. Ao longo no ano passado, foi recebendo apoio financeiro de instituições, do Brasil e da França, dos próprios artistas e de colegas como as atrizes Marieta Severo e Renata Sorrah. “Estamos numa dívida com eles!”, brinca Mello e Souza.

Mas é uma produção custosa —os valores não foram revelados. Durante os ensaios, a equipe recebe basicamente uma ajuda de custo para que possa se dedicar ao trabalho. Os salários, de fato, só virão com as temporadas.

Ainda assim, Mnouchkine decidiu ampliar o elenco. Para as 15 personagens, há 20 atrizes-cantoras, que se revezam em pelo menos dois papéis. 

A concepção surgiu de um processo comum no Soleil, onde a diretora dá aos atores a possibilidade de testar vários personagens antes de decidir quem fará o que no espetáculo. Mas aqui o processo invadiu também o resultado.

“Isso veio de uma necessidade de fazer teste com o elenco, de canto e interpretação”, afirma a diretora. 
“Mas então eu vi que muitas delas eram bastante boas. Por que precisava excluir algumas? Me pareceu bizarro. Ainda mais que sabemos que em produções musicais muitas vezes é preciso fazer substituições. Não queria ter uma atriz esperando que outra quebrasse a perna para entrar no palco.”

Afinal, o espírito coletivo e libertário que marcou o Soleil nas últimas cinco décadas é o que também pincela a produção nacional. Há quem diga que a companhia francesa, uma das mais longevas do mundo, seja uma utopia que conseguiu ser realizada. 

“Eu diria que o Soleil é uma utopia em realização. E acho que ‘As Comadres’ também. De um tamanho menor, mas é uma utopia”, diz Mnouchkine. “De toda forma, utopia não quer dizer impossível. E a única forma de realizar uma utopia é colocá-la em prática.”

As Comadres
27 e 28/3, às 21h, no Teatro Guairinha, r. 15 de Novembro, 971, Curitiba. R$ 70. E de 11/4 a 19/5, no Sesc Ginástico, av. Graça Aranha, 187, Rio de Janeiro. Qui. a sáb., às 19h, dom., às 18h. R$ 7,50 a R$ 30. 8 anos

A jornalista viajou a convite do Festival de Teatro de Curitiba

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