Tratamento esotérico nubla jogo político de Shakespeare em peça
Do conjunto logo se destaca o desempenho impressionante de Helena Ignez, que representa Tito
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Já no título, o espetáculo “Insônia – Titus Macbeth” expõe o projeto de colagem de duas tragédias sanguinárias de Shakespeare, “Tito Andrônico” e “Macbeth”. O dramaturgo Sérgio Roveri e o diretor André Guerreiro Lopes apresentam uma boa síntese das duas obras, mantendo vivo o centro de forças de cada peça e experimentando momentos de sobreposição entre elas.
Evidenciam, assim, um tema que rondava o imaginário do dramaturgo —os ciclos de ódio e vingança que se alimentam de si mesmos e parecem intermináveis, morte e ressentimento reivindicando sangue.
Do conjunto logo se destaca o desempenho impressionante de Helena Ignez. Ela representa Tito e mergulha fundo nas palavras de Shakespeare compreendendo o lastro concreto das metáforas e imagens líricas que compõem as falas. Vê-se a materialização da dor e da raiva do general, como também sua dimensão ambivalente, tão inclemente quanto corajoso, tão cego quanto esperto.
De modo inverso, o projeto de encenação aponta para uma abordagem mais abstrata. O cenário é pensado como uma instalação. Busca-se instaurar um ambiente que envolva o público —luzes baixas e cenografia cheia de símbolos, detritos e restos, povoada por seres estranhos e preenchida por uma sinistra paisagem sonora. É como se fôssemos convidados a entrar em experiência de transe e delírio.
A proposta tem força expressiva mas também é responsável por dissolver a importante materialidade dialética de Shakespeare. As aparições sobrenaturais que percorrem as peças do inglês ganham proeminência excessiva. Macbeth torna-se um tipo de pesadelo noturno orquestrado por três bruxas; Tito, um general manipulado por uma imperatriz, tragado por ritos demoníacos.
O jogo político e a objetividade das situações inventadas por Shakespeare desaparecem em favor deste vórtice metafísico. Também as atuações, com exceção de Ignez, encontram soluções abstratas, unilaterais e que colocam o efeito à frente do sentido.
Todo este conjunto busca ser uma alegoria da situação atual do Brasil, preso num infindável ciclo de ódio.
Faz sentido, mas o tratamento esotérico dado às tragédias nubla o aspecto racional deste debate como também suas implicações políticas e históricas. Um problema significativo em tempos já tão sujeitos a delírios místicos e irracionalistas.
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