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Cinema

'O Poço' não tem nada de extraordinário, mas é lançado na hora certa

Sem qualquer grandiosidade, filme traz reflexões importantes diante da pandemia do coronavírus

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O Poço

Avaliação: Ótimo
  • Quando: Disponível na Netflix
  • Classificação: 16 anos
  • Elenco: Ivan Massagué, Zorion Eguileor, Antonia San Juan
  • Produção: Espanha, 2019
  • Direção: Galder Gaztelu-Urrutia

A onda começou com as ficções e documentários sobre epidemias. Na semana passada, outra mania viralizou em sites de dicas do que assistir no streaming, em posts de redes sociais e nos grupos sobre filmes e séries.

“O Poço”, uma obscura produção espanhola que estreou há poucos dias na Netflix, oferece um reflexo do que bilhões de pessoas estão vivendo no momento. Isolados em casas confortáveis ou em cubículos, todos nos sentimos um pouco como animais enjaulados ou criminosos trancafiados em suas celas.

O filme é barato, tem um elenco pequeno e desconhecido, e toda a ação se concentra num espaço único e limitado. A direção do estreante Galder Gaztelu-Urrutia não se destaca por nenhuma grande invenção formal.

Mas a situação narrada é tão semelhante à nossa que o filme logo repercutiu. Fiel à tradição distópica da ficção científica, “O Poço” dispõe seus personagens em um espaço fortemente hierarquizado.

A primeira sequência mostra um grupo de cozinheiros preparando pratos sofisticados e um afetado chef aprovando ou reprovando sabores e odores. O branco dos uniformes e a organização alinhada indicam controle e assepsia.

Dali em diante, contudo, o ambiente das cenas é obscuro, carregado de sujeiras, vísceras e violência. A forma do poço se torna o lugar privilegiado da ação. Por ele, desce uma plataforma com elaborados pratos e restos misturados a dejetos e outras porqueiras lançadas pelos prisioneiros dos andares superiores.

Quanto mais abaixo na hierarquia, menor é a quantidade e a qualidade do que sobra para os prisioneiros. Abaixo de determinado andar, a fome os leva ao canibalismo. E ninguém sabe onde fica o fundo do poço.

O significado social da alegoria é óbvio, mas a astúcia do argumento de David Desola se revela em outros aspectos. Já estamos a quase um século de distância do isolamento binário de “Metrópolis”, de 1927, no qual o conflito de classes era representado na forma da ordem apolínea dos cumes da sociedade em oposição aos explorados, condenados a viver em fundos insalubres.

O imaginário do longa-metragem já não vislumbra conciliações. A ordem do alto está fora do alcance da visão, o que bloqueia qualquer movimento revolucionário. Além disso, o que sabemos do espaço acima do poço também remete a uma ordem rígida e hierarquizada.

Logo abaixo dessa superfície só existe a lei da sobrevivência. A solidariedade ou a empatia não existem ou se tornaram anomalias. O pouco impulso de revolta que persiste cai no vazio ou se dirige à destruição do próximo.

“O Poço” não precisa ser um grande filme em termos cinematográficos. Basta ser um filme-sintoma para gritar o que estamos sentindo, mas não conseguimos expressar.

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