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'Loira Suicida' mostra mulher que busca a liberdade nas drogas e na prostituição

Livro que foi marco do feminismo libertário chega ao país quase 30 anos depois de chocar os Estados Unidos

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São Paulo

Há uma teoria para o fracasso dos casamentos heterossexuais nas páginas de “Loira Suicida”, de Darcey Steinke. Um personagem diz à protagonista Jesse, uma americana de 29 anos, que, se os homens ainda caçassem cervos ou ursos, a maioria estaria satisfeita com a esposa.

É que, segue a hipótese, tudo o que sobrou hoje em dia como alvo dos homens são as mulheres. “Eles caçam, eles matam”, explica o libanês hermafrodita Habee. “No momento em que o homem goza, ele já conseguiu o que precisava para se alimentar.”

Publicado em 1992 e lançado agora no Brasil, o romance não pretende escapar à ficção com análises das relações humanas. Se o faz, é puramente consequência da profundidade de Steinke, que, já à época, trazia conhecimento impressionante de psicanálise e feminismo.

O livro se tornou referência para mulheres que lutam por igualdade, e entrou para o rol da literatura transgressora dos anos 1990. “Acho que o sucesso é porque pude conceber uma personagem feminina meio fora de controle. E, mesmo que ela seja autodestrutiva, ela também é livre”, diz Steinke, em entrevista de sua casa, pelo Zoom.

A escritora Darcey Steinke, autora de 'Loira Suicida' - Abbie Jones/Divulgação

“Como personagens, as mulheres precisam ser tão caóticas quanto os homens, ou os livros não serão interessantes. Tem que ser permitido criar uma personagem feminina com desejos eróticos, que é profundamente solitária, incrivelmente confusa. E não deve ser preciso ter de sempre empurrá-la para o casamento, como Jane Austen.”

Quando publicou “Loira Suicida”, Steinke tinha 30 anos. “Sempre que releio o livro penso: ‘Levem essa mulher para a terapia’”, brinca a escritora americana, hoje com 58.

Formada em escrita criativa, Steinke é filha de um pastor luterano. Ela lembra o dia em que ele leu sua obra mais famosa pela primeira vez. “Aquilo o balançou. Ele deve ter pensado ‘quem é minha filha?’. Tivemos algumas conversas tensas sobre isso.”

Certa vez, ela o convidou para uma de suas inúmeras noites de lançamento, e, por isso, escolheu propositalmente para a leitura pública um trecho que considerou “menos perturbador”.

“Meu agente então perguntou se meu pai queria ir jantar conosco, e ele recusou dizendo ‘não, não, não’, quase como se tivesse medo de mim. Mas tenho sorte, porque ele nunca foi punitivo”, resume.

“Loira Suicida” conta a história de Jesse, uma moradora de São Francisco que vive um momento de transição em seu relacionamento com o namorado Bell, um rapaz bissexual que ainda fantasia sobre seu antigo parceiro e que não consegue ser transparente a respeito dos seus desejos dentro e fora de casa.

Enquanto lida com sentimentos como fracasso e vingança, Jesse segue uma rotina de cuidados e confidências de Madame Pig, uma obesa reclusa que, até então, exigia da protagonista apenas favores como banhos e um pouco de atenção. Mas Pig passa a querer mais: ela demanda que Jesse entre em contato com Madison, a quem ela chama de filha.

Nessa busca, Jesse se infiltra no submundo de São Francisco, em meio a drogas e prostituição, e o que, a princípio, parece ser uma procura por outra pessoa, acaba se desenhando como uma intrincada investigação do eu, seus limites e experimentações.

As cenas de sexo costuram a descida da protagonista às escuridões da cidade e de si mesma. E, embora gráficas em sua maioria —incluindo práticas que envolvem intestinos e toques de tortura—, são a representação mais palpável da habilidade de Steinke com a prosa, porque não caem no exagero nem se descolam da trama.

“Gosto quando a cena de sexo é parte da história. Talvez seja uma ideia masculina, ou a filosofia do ‘uma noite apenas’, mas as pessoas acham que não se leva a humanidade para a cama. Como se você virasse outra pessoa na hora do sexo, como um animal. Daí levanta, coloca a roupa, e vira você de novo. Isso não existe”, diz.

“Somos as mesmas pessoas quando estamos transando. O principal que eu ensino aos meus alunos é que eles façam seus personagens trazerem essa humanidade para a cama. Uma cena de sexo não deve ser só sexy, e todo mundo goza. Você não precisa disso em um romance.”

Para Steinke, que também é professora de escrita criativa, o autor deve sempre deixar claros os estados interiores dos personagens na cena de sexo, descrevendo de maneira clara o que eles estão sentindo enquanto tudo acontece.

“Acho que se escreve tanto sexo ruim! Cenas que fazem como se uma câmera abrisse o foco, e transformasse em pornografia uma coisa que é erótica. E, na literatura, essa não é a melhor maneira de fazer as coisas. Uma coisa que vejo pouco, por exemplo, é quem escreva sobre sexo como algo que nem sempre é incrível ou satisfatório”, opina.

Autora de outros quatro romances e de um diário de memórias, ela lançou há dois anos “Flash Count Diary”, um estudo sobre o estigma da menopausa, ainda sem tradução no Brasil. A repercussão positiva do livro entre o público feminino suscitou em Steinke planos para daqui a uma década.

Quando estiver “perto dos 70 anos”, quer publicar algo que trate do que considera “um problema gigante”, sobre o qual, de acordo com ela, ninguém fala. “Existe uma obsessão com o orgasmo masculino, como se ele fosse a única coisa que importa. Mulheres com quem converso dizem que é legal ter orgasmo, mas que o importante mesmo é que eles gozem. Isso é tão ridículo”, relata.

“Acho que é muito difícil para as mulheres dizerem que não gostam de determinadas coisas, e falar sobre o que realmente gostam. Como vamos nos dar prazer mútuo se for nesses moldes? A menos que as pessoas compreendam e falem sobre isso, nada vai mudar.”

Loira Suicida

Avaliação:
  • Preço: R$ 84,90 (184 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria: Darcey Steinke
  • Editora: Companhia das Letras
  • Tradução: Simone Campos

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