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Novo livro de Laurentino Gomes sobre escravidão vem em ótimo momento

Segundo volume de série que resgata feridas do período mostra como o sistema escravocrata foi naturalizado

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Michael França

Doutor em teoria econômica pela USP e pesquisador do Insper, foi pesquisador visitante na Universidade Columbia

Escravidão - Volume 2

Avaliação:
  • Preço: R$ 59,90 (512 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria: Laurentino Gomes
  • Editora: Globo Livros

Em seu novo livro, Laurentino Gomes mantém a habilidade para descrever com profundidade aspectos relevantes e trágicos da história brasileira. A obra representa o segundo volume da trilogia intitulada "Escravidão" e enfoca o período compreendido entre a corrida do ouro em Minas Gerais e a chegada da corte de dom João ao Brasil.

O autor procurou incorporar temas da historiografia recente. A complexidade do período é tratada com o cuidado que merece. Diferentemente das interpretações históricas tradicionais, o negro aparece em papel de maior protagonismo e como agente transformador da sociedade.

Isso contribui para que o leitor tenha novas perspectivas em relação a esse período histórico e ao processo de formação das Áfricas brasileiras. Por sinal, resgatar o olhar sobre as Áfricas escondidas no país também representa um ponto de destaque da obra.

Diferentemente do primeiro livro, que procura mostrar as bases iniciais da escravidão, o segundo apresenta como o sistema escravocrata passou a ser algo naturalizado e aceito sem muitos questionamentos pela sociedade.

Leilões em praças públicas para venda de pessoas, no atacado e varejo, se tornaram cenas corriqueiras do cotidiano. Havia um extenso ritual no comércio de escravos. O autor descreve que homens e mulheres eram esfregados com sabão, examinados e apalpados em suas partes íntimas e, em seguida, eram marcados a ferro quente com as iniciais da fazenda ou do nome do seu novo proprietário. Depois, os escravos iam marchando presos a uma série de argolas e correntes para as senzalas, locais onde costumavam ficar até a morte.

O livro mostra como a escravidão moldou o Brasil. Inicialmente, o objetivo era fornecer mão de obra para extração do pau-brasil e para a indústria do açúcar. Entretanto, com o passar do tempo, os escravos estavam presentes em todos os segmentos da sociedade e da economia.

A escravidão urbana, por exemplo, permitiu maior mobilidade aos escravos e teve expressivos desdobramentos sobre a cultura. Hábitos africanos se fundiram com os dos europeus e indígenas e tiveram impacto na culinária, no vestuário, nas festas e nos rituais religiosos. Cidades, palácios e igrejas barrocas foram construídas por escravos e libertos.

Desenho do artista italiano Angelo Agostini publicados na 'Revista Ilustrada' - Acervo Biblioteca Mário de Andrade

Além disso, os próprios africanos escravizados não representavam um grupo homogêneo. Havia uma variedade de cores, etnias e culturas.

Pessoas de diferentes países da África conviveram e trabalharam lado a lado. Essa mistura fez com que surgisse uma nova cultura no Brasil. As raízes eram africanas, mas a fusão dos modos de vida de diferentes partes daquele continente cunhou a diversidade cultural brasileira.

O papel das mulheres nesse período histórico também é resgatado. As não brancas foram durante muito tempo retratadas com um viés sexual e de forma distorcida. Assim, essa visão da historiografia tradicional é confrontada no livro. As mulheres tiveram uma função de destaque nos negócios e na saúde pública.

A escrava Chica da Silva, ilustrada por Nelson Cruz - Reprodução

Muitas negras foram protagonistas de histórias de resiliência e superação. Nesse contexto, se tem, por exemplo, a interessante ascensão social de Chica da Silva. Nasceu escrava, mas acabou virando uma grande personagem da história.

De forma geral, a leitura do livro é clara e acessível. As análises se apoiam na experiencia jornalística do autor. Os capítulos são independentes entre si e isso permite que se leiam separadamente. É difícil ler e não lembrar da música o "Canto das Três Raças", interpretada por Clara Nunes e composta por Mauro Duarte e Paulo Pinheiro. Mais difícil é ler sem se emocionar.

A obra vem num bom momento para lembrar a sociedade brasileira de uma ferida que, além de não ter cicatrizado, pode estar se abrindo. Além disso, põe em evidência o passado e sua forma silenciosa de influenciar o que somos hoje.

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