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Cinema

Novo filme de Sergio Rezende procura seu público-alvo sem sucesso

'O Jardim Secreto de Mariana' talvez tente ressuscitar o já morto drama burguês, mas isso seria ofender qualquer burguesia

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O JARDIM SECRETO DE MARIANA

Avaliação: Ruim
  • Quando: Estreia nesta quinta (30)
  • Onde: Nos cinemas
  • Elenco: Andréia Horta, Gustavo Vaz, Paulo Gorgulho
  • Produção: Brasil, 2021
  • Direção: Sergio Rezende

A história de Sergio Rezende no cinema brasileiro tem sido a de um cineasta em busca do público. Ou antes, de um público. Qualquer um. Pode ter sido o de esquerda –“Lamarca”, “Zuzu Angel”–, o rescaldo da mitologia político-criminal –“O Homem da Capa Preta”–, o cultor da história –“Guerra de Canudos”–, o liberal –“Mauá”–, o alarmismo de direita –“Salve Geral”–, as franjas do lava-jatismo –“Em Nome da Lei”.

Resumindo, a expressão “um filme de Sergio Rezende” precedendo “O Jardim Secreto de Mariana” significa que podemos encontrar qualquer coisa pela frente. Mas qualquer coisa que, como os anteriores, raramente chegaram a seu alvo, o público-alvo.

Desta vez, Rezende investe no melodrama romântico-ecológico. No começo deste “um filme de”, sabemos que João e Mariana vivem num clima de plena e enjoativa felicidade. Habitam um sítio, cultivam hortaliças sem agrotóxicos, ela se dedica a suas plantas, transam muito bem e andam de bicicleta. Essa existência em plena natureza é proporcionada por seu Zé, o pai de João, que deu a eles o sítio onde moram.

Na verdade, sabemos desde o início que toda essa felicidade desmoronou. Que João só decidiu ler a carta que Mariana endereçou a ele após a separação quando está à beira do suicídio. E a separação aconteceu cinco anos atrás! Depois da leitura, João sai enlouquecido em busca da ex. Ele a encontra, mas ela diz que não está a fim de voltar com ele. Faz biquinho e tudo mais. Mas está na cara (e a cara dela não é tão expressiva assim) que continua louca pelo rapaz, apesar de tudo.

E ele está bem a fim de tocar a corda do melodrama para a reconquistar. Os cinco anos em que viveram, diz, foram de jogo, bebida e devassidão. Mariana vai amolecendo. Não confessa, mas vai. Tanto que acabam transando e nem demora tanto assim. E logo no dia seguinte ela aparece com sua filhinha, que tem a idade certa para ser filha de João. Mas como? João é estéril da silva. E a razão da infelicidade conjugal é que, justamente, ele era de uma esterilidade absoluta, só comparável à do filme.

E então? Bem, é aí que está. Mariana, que o filme garante ser uma brilhante bióloga, resolve ter um filho custe o que custar. Para tanto, decide transar no dia em que está mais fértil, com outro cara, sem revelar nada a João. Não é, convenhamos, uma ideia brilhante. O que se passou na cabeça dela? Vamos fingir que, em seu desespero, ela imaginou que tudo isso passaria em branco, que João não se daria conta do que aconteceu. Eu pelo menos vou fingir, em outro caso não dá para seguir comentando essa patetice.

O problema é que uma maquinação tão singela dá para qualquer um descobrir em dez minutos. Mesmo porque ela deixou numa gaveta a tabelinha indicando o seu dia mais fértil do mês. E era hoje! Até João, o tonto, consegue perceber o ato de infidelidade. Mas nunca será capaz de perceber a grandeza da fidelidade que encobre a infidelidade de Mariana. Juntando A com B, entra em cena um outro João, o ciumento feroz. Ele tranca a porta de casa. Ao voltar, ela chora, grita, implora para entrar. Nada. Mariana fica na chuva, chorando.

Digamos que a essa altura João não tem mais o pai para dar os belos conselhos que só a sabedoria dos anos produz. E que a mãe de Mariana entra em cena para dar razão ao ex-marido de um modo que só as velhas e nada sábias mães sabem dar.

Então surge a verdadeira questão –a quem desta vez visa o filme como público? As adolescentes românticas antifeministas? Improvável que elas se deixem embrulhar por um melô às antigas. Os ecologistas? Mas como, se a história se passa entre Mariana e Brumadinho, cidades mineiras que quase desapareceram por obra de catástrofes ambientais tão trágicas quanto indecentes. Ou as velhas e velhos que, cansados de problemas reais, buscam o conforto de um melô água-com-açúcar?

Talvez a história desse casal constitua uma tentativa de ressuscitar o já morto drama burguês. Mas isso seria ofender qualquer burguesia, por mais ignorante, gananciosa ou inútil que seja. Seria o alvo então as meninas românticas da pequena classe média? Mesmo elas sabem que hoje em dia o problema central de suas vidas é a sobrevivência, num mundo que se mostra hostil a qualquer um que não seja um bilionário.

Então, o que nos propõe o filme? Seja lá o que for, algum público-alvo ele há de ter, até porque conta com o prestigioso, embora surpreendente, aval de Carlos Diegues. Se a condição para atingir isso é esquecer que o mundo existe fora de João e Mariana, desculpe, mas não dá pé. De “O Jardim Secreto de Mariana” resta um belo e sugestivo título seguido por um melô difícil e engolir.

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