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'O Mundo por Philomena Cunk' reflete o cansaço das comédias políticas

Série inglesa da Netflix responde aos anos de polarização política com humor sem preocupações sociais

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André Boucinhas

Roteirista, historiador e autor do livro 'Da Revolução do Stand Up à TV Pirata'

Política cansa. E quando ela é vivida intensamente, chega a hora de despolitizar. "Me cansei de lero-lero, dá licença mas eu vou sair do sério", dizia Rita Lee no início dos anos 1980, no Brasil. E o mesmo movimento já havia acontecido antes, nos Estados Unidos e na Europa. Ele parece ser de certa forma cíclico, e volta a dar as caras agora com o excelente documentário-paródia "O Mundo por Philomena Cunk".

A fim de entender melhor o efeito e a novidade de Philomena Cunk, vale a pena fazer um rápido flashback para o final dos anos 1960, quando os humoristas britânicos John Cleese e Graham Chapman perceberam que a sátira política estava saturada. Os tipos de piada e de crítica se repetiam e, portanto, perdiam a graça. Nada mais desesperador para um comediante de verdade —são poucos. Era hora de algo completamente diferente, que no caso deles se chamou Monty Python.

A atriz Diane Morgan em cena da série 'O Mundo por Philomena Cunk' - Andrea Gambadoro/Divulgação

Do outro lado do Atlântico, o jovem Steve Martin "sentiu cheiro de rato morto", como ele mesmo diria, mais tarde. "O rato era a era de Aquário." Aposentou seu visual hippie, suas piadas políticas e começou a se apresentar como um comediante/mágico sem noção. Tornou-se o primeiro comediante de stand up a lotar um estádio.

As inovações da comédia parecem oscilar entre o engajamento e a irresponsabilidade —sem sentido pejorativo. Nos anos 1960, os grandes humoristas estavam preocupados em defender ou atacar as novas ideias progressistas e, à sua maneira, contribuir para o desenvolvimento do seu país. A década seguinte viu a reação a isso. O humor mais inovador passou a querer ser engraçado e original, e só –o que não era pouco.

'O Mundo por Philomena Cunk' se inscreve nessa tradição de humor sem agenda política. Seus autores também sentiram o cheiro do rato morto. Vivemos há duas décadas uma polarização intensa, com o fortalecimento de pautas progressistas por um lado e a ascensão de uma direita reacionária por outro, com o humor sendo usado em ambos como arma. O retorno triunfal da comédia sem preocupações sociais era questão de tempo.

À primeira vista, Philomena Cunk se parece com as retrospectivas cômicas de 2020 e 2021 da Netflix. Só que ali os entrevistados representavam tipos sócio-econômicos –o acadêmico conservador, o bilionário individualista, o revoltado de rede social etc–, algo ainda repleto de comentário crítico. Faltava um programa que conseguisse se afastar disso com qualidade e esse era justamente o propósito da série, segundo seus produtores. E não só foram bem sucedidos, como inovaram o gênero.

Todos os elementos típicos de um documentário histórico são subvertidos com resultados hilários —as frases de efeito, interpretação dramática, animação gráfica, atores vivendo figuras históricas... Nada escapa. Mas a originalidade está em outra parte. O objeto (história da civilização), os entrevistados (especialistas) e as informações são verdadeiras; o único elemento cômico é a apresentadora. E é mais do que suficiente.

Philomena Cunk é uma personagem genial. Completamente ignorante apesar de letrada, consciente disso, e ainda assim confiante e arrogante. Ela já ouviu falar dos assuntos a que está se referindo, tem opinião sobre eles e não está disposta a mudá-la. Por preguiça, não por convicção.

Diferentemente de Borat, a graça não é ver os outros sucumbindo às suas loucuras sem saberem que se trata de ficção (estrutura de "pegadinha"). Aqui não há dúvida sobre o aspecto ficcional. Nós sabemos –e, lamento informar, os entrevistados também, embora suas respostas sejam espontâneas– que é uma brincadeira. Afinal, ninguém pode mesmo pensar que "os gregos também criaram o teatro para as pessoas estúpidas, conhecido como esporte". Ou pode?

Tanto a comédia engajada quanto a irresponsável têm seu lugar, mas confesso que nos tempos turbulentos de hoje me acalmou ver a história da humanidade sem suas injustiças, crueldades... Opa, nada de papo sério por aqui, porque provavelmente você, como a Rita Lee, também cansou "de escutar opiniões de como ter um mundo melhor".

O Mundo por Philomena Cunk

Avaliação:
  • Onde: Disponível na Netflix
  • Elenco: Diane Morgan
  • Produção: Reino Unido, 2023
  • Direção: Diane Morgan, Charlie Brooker

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