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Colômbia, a paz que ainda não chegou

Passados três anos da assinatura do acordo de paz entre governo e Farc, a violência e os assassinatos de líderes sociais continuam

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María del Carmen Villarreal Villamar

Parecia um sonho realizado. O acordo de paz assinado em Havana em 2016 entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo (Farc-EP) tentava pôr fim a seis décadas de conflitos e dar início a uma nova era, não só para o país como para toda a região. Agora, passados três anos, a violência e os assassinatos de líderes sociais continuam, diversos problemas de implementação persistem e a vigência do acordo está sendo questionada.

Depois da assinatura do Acordo de Havana, 500 líderes sociais e defensores dos direitos humanos foram assassinados, mais de 200 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas, 129 ex-combatentes foram assassinados e a estimativa é que 40% das pessoas que decidiram largar as armas as tenham retomado.

De acordo com dados da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), mais de 400 colombianos que estão fugindo do conflito e da perseguição buscam refúgio só no Equador, a cada mês, e esse número está aumentando, bem como o de confrontos renovados entre dissidentes das Farc e de outras organizações armadas.

Jesús Santrich, ex-comandante das Farc, durante entrevista na sede das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, em Bogotá - Andres Torres - 30.mai.2019/Reuters

A paz está em crise por diversas razões. De acordo com um relatório recente do Instituto Kroc de Estudos Internacionais da Paz, da Universidade Notre Dame, apenas 23% dos 578 compromissos de paz assinados foram implementados plenamente, 46% estão em processo de implementação e os restantes 31% ainda não começaram a ser implementados.

A ratificação do acordo de 2016 deu início a uma nova era e à construção de uma paz que se augurava estável e duradoura. Dando continuidade ao círculo virtuoso criado pelo Acordo de Havana, em 8 de fevereiro de 2017 começaram no Equador as negociações de paz entre o governo colombiano e o Exército de Libertação Nacional (ELN), a segunda maior entre as organizações de guerrilha colombianas.

Contudo, embora o então presidente Juan Manuel Santos tenha enfatizado que o fim da guerra era "irreversível", persistem diversos problemas quando chega a hora de garantir a estabilidade em longo prazo do processo de paz.

O "acordo final para o encerramento do conflito e construção de uma paz estável e duradoura na Colômbia" foi assinado em Havana em 24 de agosto de 2016. Depois dos fracassos das tentativas de 1982, 1991 e 1998, havia negociações informais em curso desde 2010, mas o acordo resultou da condução de "diálogos exploratórios", realizados em Havana a partir de 2012 e contando com a participação de Cuba e da Noruega, como países garantidores, e do Chile e da Venezuela, como observadores do processo.

De um estudo inicial sobre a possibilidade de pôr fim ao conflito e assinar um acordo de paz, as negociações evoluíram para um documento que abordou pontos-chave como o abandono das armas, a distribuição de terras, a indenização e reconhecimento das vitimas, a reintegração dos ex-guerrilheiros à vida civil, um sistema transicional de justiça e a representação política das Farc-EP no Congresso colombiano.

A memória histórica desse processo está reunida em uma coleção de 11 volumes, hoje depositada na Biblioteca do Processo de Paz com as Farc-EP, parte do Alto Comissariado para a Paz do governo colombiano.

O acordo de 2016 foi submetido a um plebiscito que deixou clara a alta polarização social e política do país. Na prática, o "não" venceu, com 50,21% dos votos, enquanto o "sim" obteve 49,79%, desconsiderados os 63% de abstenção. O resultado obrigou o governo Santos e o comando das Farc-EP a alterar diversos pontos do acordo.

Mediante um mandato constitucional, em 24 de novembro de 2016 foi assinado um novo acordo de paz, aprovado por unanimidade no Senado e por maioria absoluta na Câmara dos Deputados, mas não sem protestos, encabeçados pelo ex-presidente e então senador Álvaro Uribe.

Dessa maneira, a Colômbia, país com maior número de moradores deslocados dentro de seu próprio território (7,7 milhões), e que registra também 400 mil refugiados, de acordo com a Acnur, assinou o acordo que punha fim a seis décadas de conflito armado, durante as quais, de acordo com o Centro Nacional de Memória Histórica, mais de 260 mil pessoas morreram e outras 80.514 desapareceram, áreas rurais foram devastadas e os direitos humanos sofreram abusos e violações inumeráveis.

Ainda assim, mesmo que o acordo tenha trazido avanços em diversos âmbitos, como a redução do número de mortes violentas e a integração social e política de alguns ex-combatentes, o Estado não cumpriu todas as suas promessas.

O governo colombiano, hoje presidido por Iván Duque, do Partido de Derecha Centro Democrático, propôs reformas substanciais na Lei de Justiça Especial para a Paz (JEP) e questionou seriamente os acordos firmados pelo governo anterior. Além disso, o desenvolvimento rural e a chegada de infraestrutura e serviços básicos para as populações camponesas continua a ser apenas promessa, enquanto o programa de substituição de safras de uso ilícito enfrenta sérios problemas, como demonstra a produção recorde de coca na Colômbia em 2017.

E se isso não bastasse, o fim do diálogo com o ELN e o atentado contra a Escola de Polícia General Santander, em janeiro de 2019, cuja autoria foi assumida pelo ELN, deixaram claro que o processo de solução dos conflitos ainda tem caráter parcial.

Para obter uma paz estável, duradoura e definitiva é preciso mais que um acordo e boas intenções. O governo colombiano, além de respeitar os termos do acordo de Havana, precisa promover reformas estruturais, na economia, política e sociedade, a médio e longo prazo, enquanto a sociedade precisa assumir um compromisso para com a conservação e consolidação da paz.

Apesar das dificuldades e das profundas divisões da sociedade colombiana, a paz é condição sine qua non para criar um país mais justo, democrático e equitativo. Para garantir a implementação do que foi acordado, a Colômbia também precisa extrair lições valiosas de experiências como os processos de paz de El Salvador e da Guatemala.

María del Carmen Villarreal Villamar é doutora em ciência política pela Universidade Complutense de Madri e pesquisadora do Grupo de Relações Internacionais e Sul Global (Grisul), da Unirio, e do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios (Niem), da UFRJ.

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Tradução de Paulo Migliacci

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