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Nova regra do governo Trump pode ser devastadora para crianças imigrantes na fronteira

Trump fez da hostilidade aberta contra imigrantes uma peça central de sua agenda

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Marshall Fitz
The Washington Post

Como parte de sua campanha para fechar as portas dos Estados Unidos aos imigrantes, o governo Donald Trump anunciou nesta semana que está buscando autorização para deter indefinidamente famílias imigrantes, incluindo crianças.

Ele também quer autoridade para eliminar um mecanismo de licenciamento independente que ajudaria a manter as instalações onde essas crianças são detidas com segurança, higiene e gestão humana.

Essa é a mais recente tentativa do governo de substituir o que é conhecido como Acordo de Instalação Flores.

Esse decreto de consentimento judicial criado há décadas, e que leva o nome de uma menina de 15 anos de El Salvador, Jenny Lisette Flores, exige que o governo dos EUA trate as crianças imigrantes com humanidade.

A batalha sobre as exigências do Acordo Flores, e o persistente fracasso dos Estados Unidos em mantê-las, mostram que deter as crianças por períodos indefinidos, mantê-las em jaulas e submetê-las a condições inseguras e insalubres não é um fato novo para o governo americano.

Luis Acosta carrega a criança de cinco anos Angel Jesus. Ambos são de Honduras e tentavam chegar aos Estados Unidos em uma caravana de migrantes que partiu da América Central - Adrees Latif/Reuters

​Desde a década de 1980, sucessivas administrações têm usado práticas severas de detenção, incluindo o encarceramento de crianças, para desestimular futuras imigrações.

E em momentos de maior tensão política em relação à migração, o governo dos EUA repetidamente optou por encurtar o processo devido, em vez de se esforçar para proteger os direitos básicos.

A pressa resultou em prisões superlotadas, longos períodos de detenção e acesso limitado a necessidades básicas (água potável, alimentação, atenção médica) para as pessoas sob custódia.

Os indispensáveis controles institucionais contra essas violações de direitos vieram por meio dos tribunais.

E o Acordo de Instalação Flores, criado em 1997, tem sido um dos mais importantes —estabelecendo uma "política nacional para a detenção, liberação e tratamento" de todos os menores sob custódia do Serviço de Imigração e Naturalização (INS, na sigla em inglês), hoje Departamento de Segurança Interna (DHS).

O caso começou quando Jenny Flores, junto a três outras menores desacompanhadas da América Central, processaram o governo dos EUA em 1985.

Elas alegaram que estavam detidas sem segurança com mulheres adultas não parentes delas em instalações cercadas por arame farpado, e que funcionários da imigração praticavam arbitrariamente revistas corporais.

Flores e seus coautores no processo faziam parte de uma onda de imigrantes que fugiam da violência, do conflito político e da pobreza na América Central e buscavam refúgio nos Estados Unidos.

Mas o governo Reagan negou praticamente todas as solicitações de asilo a pessoas que fugiam de países como El Salvador e Guatemala, classificando-as como "imigrantes econômicos", em vez de refugiados políticos, que mereceriam proteção humanitária.

A prática operacional do governo era deter todos os imigrantes salvadorenhos e guatemaltecos e negar-lhes a audiência imparcial a que tinham direito de acordo com a lei —tudo isso como parte de uma política para conter novas migrações dessa região.

Os ativistas, horrorizados com os maus tratos a menores, entraram com um processo.

O governo argumentou inescrupulosamente que "como a grande maioria da classe demandante [crianças imigrantes sob custódia do INS] é de países da América Central, onde eles podem ter pouco ou nenhum direito análogos aos previstos em nossa Constituição, eles não têm uma expectativa real ou subjetiva" de que teriam direitos básicos quando entrassem nos Estados Unidos.

Um tribunal distrital federal repudiou fortemente esse argumento e concluiu que essas crianças vieram justamente porque esperavam uma situação melhor e que as proteções da Constituição também se aplicariam a elas.

Em 1997, após uma odisseia legal de nove anos, incluindo um desvio para a Suprema Corte, os demandantes e o governo chegaram a um acordo que ficou conhecido como Acordo de Instalação Flores.

É necessário que as crianças sob custódia da imigração federal sejam mantidas nos ambientes menos restritivos possíveis e recebam água potável, alimentos, assistência médica e supervisão adequada.

Ele estabeleceu o padrão de que essas crianças devem ser mantidas separadamente de adultos não parentes e sejam libertadas "sem atrasos desnecessários".

O acordo também dizia que as crianças deveriam ser liberadas para pais, outros parentes e, em seguida, se não houvesse um parente, para programas licenciados dispostos a aceitar a custódia.

Desde 1997, contudo, governos republicanos e democratas tentaram repetidamente, na política e na prática, limitar as proteções concedidas pelo acordo.

Advogados tiveram que mover inúmeras ações apenas para garantir a proteção a crianças garantida pelo acordo.

De fato, oito procuradores-gerais diferentes foram citados como réus em litígios destinados a fazer cumprir o acordo nos últimos 22 anos.

A pressão política para restringir a imigração tem sido o principal motivador das iniciativas para negar ou circunscrever o "Acordo Flores".

Quando os governos são pressionados a exercer controle na fronteira, normalmente aumentam o tratamento punitivo aos imigrantes, incluindo as crianças, como um dissuasor —embora haja pouca evidência de que tais métodos sirvam para impedir as pessoas desesperadas de fugir da violência e da pobreza em seus países de origem.

Por exemplo, em 2006, quando o número de famílias que chegavam à fronteira aumentou substancialmente, o DHS do presidente Bush estabeleceu centros de detenção familiar.

Mas, como Yarely Maribel Vasquez Sanchez, 8, alegou em um processo da ACLU de 2007 visando a instalação Hutto, no Texas, essas instalações estavam longe de ser familiares.

Sanchez disse aos tribunais que ficou presa durante dois anos com sua mãe, "raramente autorizada a sair ao ar livre" e "forçada a usar trajes de prisão".

Advogados e ativistas citaram numerosos exemplos de tratamento desumano nessas instalações, incluindo um caso de policiais dizerem aos pais de um bebê que vomitava sangue para simplesmente dar água à criança.

Embora o governo Obama tenha acabado com a detenção familiar em Hutto em 2009, posteriormente ressuscitou a prática durante um surto migratório em 2014, quando abriu instalações para deter famílias enquanto julgavam seus casos.

A justificativa do governo para manter essas famílias sob custódia, como em governos anteriores, era que a adjudicação rápida e a "remoção" —deportação— serviriam como dissuasão.

Apesar de defensores da reforma da imigração, os governos dos presidentes Bush e Obama também enfrentaram temores públicos, fomentados por meios de comunicação conservadores, de que a fronteira sul estivesse fora de controle.

Ambos concluíram que as políticas de imigração de bom senso que eles defendiam não poderiam ser adotadas ou se enraizar no contexto de uma narrativa politizada sobre uma fronteira saturada.

Abraçar esse quadro, no entanto, não produziu um compromisso legislativo; em vez disso, apenas alimentou a expansão da detenção e deportação.

Embora a conveniência política nunca deva prevalecer sobre nossa obrigação de tratar humanamente as pessoas, em especial as crianças, acontece com frequência.

E é por isso que o Acordo Flores serviu como um controle essencial contra considerações políticas de curto prazo.

Depois que uma ação alegou que suas novas práticas de detenção familiar violaram Flores, o governo Obama buscou o meio-termo e propôs uma política de libertação —um limite de 20 dias— para crianças em centros de detenção familiares.

Embora os governos anteriores fossem muitas vezes hostis aos imigrantes centro-americanos que chegavam à fronteira, Trump fez da hostilidade aberta contra eles uma peça central de sua agenda.

E suas tentativas de minar o Acordo Flores —com o bem-estar das crianças em jogo— estão entre as expressões mais notórias dessa agenda.

Sob a nova regra, o DHS —a mesma agência que separou à força milhares de crianças de seus pais e continua a fazê-lo, defendeu repetidamente seu tratamento desumano de crianças em tribunais federais e recentemente declarou que o sabão não é um requisito para condições sanitárias— teria autoridade exclusiva para determinar as condições seguras e sanitárias para as crianças imigrantes sob sua custódia.

Flores deixaria de servir como baluarte contra o abuso e a detenção indefinida de crianças vulneráveis.

O DHS de Trump demonstrou não ter capacidade para —ou interesse em— fornecer tratamento humanitário às crianças: neste mês, um tribunal federal teve que reafirmar novamente —apesar das objeções do governo Trump— que Flores exige que as crianças tenham acesso a "comida, água, roupa de cama, escovas de dentes e sabonete".

Até que o Congresso demonstre a capacidade de restringir as políticas cruéis deste governo em relação às famílias imigrantes, os tribunais continuam sendo o único teste institucional contra uma catástrofe humana.

Enquanto os Estados Unidos esperam que o Congresso represente nossos valores, o papel do Acordo de Instalação Flores na proteção das crianças é mais indispensável que nunca.

Marshall Fitz é diretor-gerente de imigração na organização de mudança social Emerson Collective, foi vice-presidente de política de imigração na American Progress e assessor da Casa Branca de Barack Obama   Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalve

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