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Ditadura da Belarus interroga prêmio Nobel, que reage com silêncio

Escritora Svetlana Aleksiévich foi chamada a depor por ser uma das líderes de conselho de transição, considerado ilegal

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Bruxelas

Por 40 minutos, a escritora Svetlana Aleksiévich, prêmio Nobel de Literatura em 2015, ficou em silêncio. Chamada para interrogatório em processo criminal por participar da oposição ao ditador Aleksandr Lukachenko, ela se recusou a responder às perguntas.

“Não sou obrigada a testemunhar contra mim mesmo, e não acho que as ações do conselho sejam ilegais”, disse ao sair do Escritório Central do Comitê de Investigação, em Minsk, nesta quarta (26).

A escritora integra a liderança do conselho, que tenta negociar com a ditadura novas eleições no país, depois que o pleito realizado no dia 9 foi considerado fraudado por opositores, observadores internos e governos de outros países.

A escritora Svetlana Aleksiévich chega para prestar depoimento em Minsk - Vasily Fedosenko/Reuters

O governo de Lukachenko, porém, se recusou a abrir diálogo e está processando criminalmente os líderes do conselho. A Procuradoria Geral afirmou que o grupo “visa tomar o poder do Estado, bem como causar danos à segurança nacional”.

O Comitê de Investigação está interrogando os líderes do conselho sob acusação de “prática de ações destinadas a causar danos à segurança nacional da Belarus, cometidos usando a mídia ou a rede mundial de computadores internet”.

Outros dois líderes do grupo de oposição já foram interrogados e, nesta terça, foram condenados a dez dias de detenção dois outros membros, por incentivar greves ilegais, segundo a ditadura: o líder operário Sergei Dylevsky e Olga Kovalkova, uma das principais assessoras da candidata independente de oposição Svetlana Tikhanovskaia, que está exilada na Lituânia.

Policiais isolaram nesta manhã o edifício onde a escritora foi interrogada, mas, apesar disso, centenas de pessoas se juntaram na região para apoiá-la. “Estou tranquila, não sou culpada de nada. A presença de todos aqui é muito importante. Precisamos unir a sociedade, e não dividi-la”, disse ela, na chegada.

Ao lado dela estava Maria Kalesnikava, a flautista que formou com Tikhanovskaia e Veronika Tsepkalo a frente de oposição nas eleições.

Aleksiévich, que escreveu vários livros baseados em depoimentos de vítimas de guerra e violência, afirmou que todos os bielorrussos estão orgulhosos.

Não tínhamos esse sentimento até recentemente, mas hoje, quando vemos esses milhares de manifestantes e voluntários… Os bielorrussos se tornaram um povo que todo o mundo conheceu: eles gostam que os gramados não sejam destruídos, as vitrines não sejam quebradas, as pessoas se comportem lindamente”, disse ela.

De acordo com a escritora, o que a oposição está propondo é “um caminho pacífico de luta”: “Isso é o que exige o tempo de hoje. O tempo em que a vida humana vale. Deus nos livre que o sangue seja derramdado”.

Segundo ela, porém, nem o conselho de transição nem a população bielorrussa conseguirão avançar sem a ajuda externa.

“Nossa sociedade civil é forte, mas ainda não tão forte, então precisamos da ajuda do mundo, talvez da Rússia, se pudermos atraí-la. Talvez seja necessário envolver [o presidente russo Vladimir] Putin na conversa”, afirmou.

O conselho de transição publicou um manifesto em que critica a Procuradoria Geral e o Comitê Investigativo da Belarus por não terem aberto nenhum processo criminal até esta quarta para investigar denúncias de tortura cometidas na repressão aos protestos contra a reeleição de Lukachenko.

Entidades de direitos humanos documentaram até esta terça, com fotos e vídeos, 450 casos de espancamento e tortura física e psicológica. Cerca de 7.000 pessoas foram detidas, a maioria entre os dias 9 e 12 de agosto, e ao menos 4 morreram durante a repressão.

Nesta quarta (26) foi divulgado pelo site noticioso independente Tut.by um vídeo que mostra espancamento e xingamentos dentro de um camburão, gravado por um manifestante preso pela tropa de choque no dia 10.

Denis Germanov, 48, disse ao site que tinha certeza de que o vídeo seria encontrado pela polícia e sua câmera não seria devolvida. Mas, ao voltar à prisão para buscar suas coisas, recuperou o equipamento.

“Nunca conseguirei esquecer o som dos cassetetes”, disse ele aos repórteres do Tut.by. Germanov diz que foi detido por estar na calçada em uma “corrente de solidariedade” e que não reagiu.

O vídeo registra muitos xingamentos de policiais, ameaças de morte e surras. Germanov ficou preso por três dias no centro de detenção de Akrestina. “As pessoas simplesmente uivavam, eram espancadas em um combate mortal”, disse ao Tut.by.

Assim como vítimas ouvidas pela Folha na Belarus entre os dias 15 e 20 de agosto, ele disse que chorou ao ser libertado e encontrar dezenas de voluntários oferecendo comida, curativos e apoio.

As tropas de choque haviam interrompido as detenções na semana passada, mas elas voltaram a ocorrer nesta segunda (24). Apesar disso, manifestações pela renúncia de Lukachenko, novas eleições e o fim da violência continuam ocorrendo todos os dias em várias cidades bielorrussas.

No último domingo (23), cerca de 180 mil pessoas participaram de protesto recorde em Minsk, de acordo com cálculos feitos a partir de fotos aéreas.

Nesta quarta, a tropa de choque trancou dentro de uma igreja, por cerca de uma hora, dezenas de pessoas que protestavam na praça da Independência, na capital do país. Cerca de 20 manifestantes foram presos —na Belarus, aglomerações não autorizadas pelo governo são ilegais.

A ditadura voltou a restringir o sinal de internet no país, segundo bielorrussos que se comunicaram com a Folha usando VPNs (servidores fora do país).


Veja as outras reportagens da série sobre Belarus:

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