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EUA admitem erro em ataque com drone que matou 10 civis no Afeganistão

Chefe militar diz ser improvável que mortos representassem uma ameaça ou fossem ligados ao Estado Islâmico

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São Paulo

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos reconheceu nesta sexta-feira (17) que um ataque de drone feito em Cabul no fim do mês passado, em retaliação a um atentado do Estado Islâmico cometido dias antes, foi um "erro". A ação terminou com a morte de 10 civis, incluindo crianças.

A avaliação foi revelada pelo general Kenneth Franklin McKenzie Jr, chefe do Comando Central dos EUA. "No momento, eu estava confiante que o ataque havia revertido uma ameaça iminente às nossas forças", disse. "Nossa investigação agora conclui que ele foi um erro trágico."

A apuração citada pelo militar descartou haver ligação entre o motorista do veículo atingido pelos americanos e o grupo terrorista. De acordo com McKenzie, restou claro ser improvável que as outras pessoas que estavam no veículo atingido ou próximas a ele fossem membros do EI —ou ainda que pudessem ser uma ameaça às forças americanas que comandavam o aeroporto de Cabul.

O Pentágono agora estuda formas de reparação às famílias das vítimas, segundo ele. Ainda que não haja hoje representação diplomática ou presença militar oficial do país no Afeganistão, isso seria, nas palavras do militar, uma obrigação.

Parentes de vítimas de ataque americano veem estragos provocados por bombardeio de drone em Cabul - Wakil Kohsar/AFP

Em 26 de agosto, a cinco dias do prazo final para a retirada das tropas americanas do Afeganistão, o Estado Islâmico Khorasan (célula local do grupo terrorista) atacou o aeroporto de Cabul, por onde as forças ocidentais faziam as operações de resgate. A ação deixou quase 200 mortos, incluindo 13 soldados dos EUA.

Em reação, os americanos fizeram dois ataques: um no dia 27, na província de Nangarhar, alegadamente matando um membro do EI; e outro, no dia 29, quando 10 civis morreram, incluindo 7 crianças. Desde o início, porém, este segundo ataque levantou dúvidas, com indícios de que as vítimas não tinham qualquer envolvimento com grupo terrorista.

O governo dos EUA, a princípio, recusou-se a admitir a possibilidade de erro. O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto, chegou a dizer que foi "um ataque justo" e que o carro atingido carregava explosivos.

Nesta sexta, o mesmo militar afirmou que se precipitou. Em comunicado, ele chamou o episódio de "terrível tragédia de guerra" e disse que as Forças americanas estão comprometidas com a transparência sobre o incidente.

O secretário de Defesa também se manifestou. Lloyd Austin prestou "as mais profundas condolências aos familiares dos mortos" e, alegando ter sido o responsável pela iniciativa de investigar o episódio, afirmou que as informações obtidas vão ajudar a analisar os atuais procedimentos de ataque com drones e sugerir possíveis mudanças.

"Agora sabemos que não há conexões entre Ahmadi [motorista do veículo atingido no ataque] e o Estado Islâmico Khorasan, que suas atividades naquele dia eram completamente inofensivas e não eram de modo algum relacionadas à ameaça iminente que acreditávamos que estávamos encarando."

Zemari Ahmadi era engenheiro eletricista e chegou a auxiliar ocidentais em Cabul, tendo trabalhado para uma empresa americana de ajuda humanitária durante um período.

Uma reportagem do jornal The New York Times já havia reconstituído a ação. Os militares americanos que falaram nesta sexta, aliás, disseram que o texto auxiliou na revisão dos fatos.

A história começa quando a inteligência dos EUA alega ter interceptado mensagens de conspiradores indicando que outro ataque ao aeroporto da capital afegã estaria sendo planejado. Assim, um complexo a cerca de 5 km do terminal passou a ser monitorado, bem como a movimentação de veículos e pessoas nos arredores.

Por volta das 9h (horário local) daquele dia 29 de agosto, um sedã branco, provavelmente um Toyota Corolla, saiu do complexo, que, de acordo com o que havia sido apurado em grampos eletrônicos e imagens obtidas por aviões de vigilância, analistas acreditavam ser um esconderijo de planejadores e cooperadores do EI-K, ramo da organização no Afeganistão.

Comunicações interceptadas do esconderijo indicavam que os conspiradores estavam direcionando o carro para algum tipo de missão tortuosa e que o motorista tinha recebido ordens de encontrar um motociclista, o que acabou ocorrendo.

Segundo a reportagem do New York Times, pouco antes das 16h, o sedã estacionou num local desconhecido para os americanos, entre 8 e 12 km a sudoeste do aeroporto. Então, o motorista e três outros homens colocaram vários pacotes embrulhados no porta-malas —de tal maneira que os analistas que assistiam ao vivo julgaram semelhante ao que fariam se fossem explosivos.

Por volta das 16h45, o motorista, já sozinho, estacionou num pátio logo ao sul do esconderijo original, onde outro homem saiu para saudá-lo.

Nesse ponto o comandante tático que controlava os drones armados —cuja identidade não foi revelada— teve de tomar uma decisão. Ele recebera do general McKenzie o poder de ordenar ataques, quando analistas de inteligência tivessem “grau razoável de certeza” de que tinham um alvo legítimo do EI-K e “certeza razoável” de que mulheres, crianças ou outros civis não combatentes não seriam feridos.

Os operadores examinaram o pátio por alguns segundos, e o comandante concluiu que esse seria o lugar e o momento mais propícios para atacar. O míssil Hellfire atingiu seu alvo em menos de um minuto. No momento em que ele chegava perto do alvo, os operadores do drone puderam ver outras figuras se aproximando do sedã.

Uma ogiva contendo 9 kg de explosivos atingiu o veículo em cheio, criando a primeira explosão às 16h50. Alguns segundos mais tarde houve uma segunda bola de fogo.

A reconstituição agora aponta que as paradas feitas por Ahmadi naquele dia provavelmente foram para buscar um computador do trabalho e encontrar colegas; os supostos explosivos colocados no carro eram galões de água para a família do engenheiro; a primeira explosão vista se deveu a essas garrafas estourando; e a segunda, provavelmente a um botijão de gás da casa (ou ao tanque de combustível do carro).

Um familiar de Ahmadi relatou à agência de notícias AFP que crianças brincavam no veículo no momento da explosão.

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