Lockdown não deve ser descartado
Estratégia poderia ser adotada enquanto vacinação não chegar a todos
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Após superarmos a triste marca de 500 mil óbitos causados pela Covid-19 no Brasil, ainda há quem argumente contra a adoção de medidas não farmacológicas. A exemplo da indústria do tabaco, dos negacionistas climáticos e dos criacionistas quando falam de evolução, essas pessoas buscam criar a sensação de existir uma controvérsia na comunidade científica, como se “ninguém soubesse” o que efetivamente funciona.
Alguns argumentam que a previsão de mais de 1 milhão de mortos no Brasil, feita pelo grupo de Neil Ferguson, do Imperial College de Londres, foi exagerada e alarmista. Já passamos da metade e provavelmente atingiremos essa cifra. Ela só não ocorreu antes porque, contrariando o negacionismo oficial, a sociedade tomou atitudes que reduziram a taxa de reprodução básica da doença: distanciamento físico, uso de máscaras e reforço nos hábitos de higiene. Sempre que essas medidas são relaxadas, o número de óbitos volta a aumentar, pois o vírus torna a circular mais facilmente.
A equação é simples: menor contágio corresponde a menos mortes. Relaxamos as medidas? As mortes voltam. Uma intervenção muito radical que reduz drasticamente a contaminação é o chamado lockdown, no qual as pessoas de uma comunidade têm sua mobilidade muito reduzida (se necessário por ação policial) por um período determinado. Assim, o vírus perece antes de conseguir contaminar outros indivíduos, e a taxa de reprodução tende a zero.
No Brasil, virou lugar-comum políticos e comentaristas negarem a eficácia do lockdown para conter o avanço da doença, apesar de evidências científicas abundantes. Essas evidências são resultado de sofisticados modelos e simulações que conseguem reproduzir o comportamento da doença. Não há dúvida de que a redução da taxa de reprodução do vírus pelo período correspondente ao ciclo de contágio provoca uma diminuição expressiva no número de contaminados e de mortes. A intervenção mais eficaz para evitar nova alta da pandemia é a vacinação em massa, que no Brasil ainda avança timidamente. É possível que a melhor opção seja um lockdown nacional radical. Isso reduziria o número de mortes e permitiria a tão almejada retomada da economia.
O Reino Unido, por exemplo, deixou a epidemia se alastrar muito antes de decretar o lockdown e precisou estender a intervenção por um longo período até frear os casos. Só então as medidas foram flexibilizadas. O relaxamento causou a segunda onda. Foi então necessário um segundo lockdown. As infecções que ocorreram no período pré-lockdown, além das que ocorreram entre os dois lockdowns, resultaram em mortes que poderiam ter sido evitadas.
Quem nega a eficácia do modelo nunca menciona a experiência de países como Austrália e Nova Zelândia, que o adotaram no momento certo. Assim, evitaram o colapso hospitalar, e a medida pôde durar pouco tempo, com um custo menor em vidas e também para a economia. Alguns dizem que não é possível comparar o Brasil a esses países por serem ilhas, mas esquecem que a dinâmica das cidades é sempre a mesma. Uma vez na presença do vírus, o contágio ocorre.
Há o exemplo local de Araraquara (SP), onde um lockdown bastante suave, de curta duração para padrões internacionais, foi decretado em fevereiro e novamente em junho. Em fevereiro, a mobilidade na cidade já estava em queda, muito provavelmente devido ao colapso hospitalar. Isso provocou o isolamento espontâneo da população por medo mesmo antes de ser obrigada. A operação conseguiu reduzir significativamente o número de óbitos. Lockdowns locais têm efeito limitado, pois logo a contaminação por habitantes de comunidades vizinhas volta a ocorrer.
Em vez de insistir em negar sua eficácia, o governo federal deveria considerar seriamente a possibilidade de um lockdown nacional radical, com duração de algumas semanas. Isso seria muito mais barato do que estender indefinidamente a duração da pandemia; além, claro, de poupar vidas. Um lockdown bem planejado e efetivo é talvez a melhor estratégia possível para conter a pandemia enquanto a vacinação não atinge toda a população. As evidências científicas indicam que vidas seriam poupadas.
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