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Gaudêncio Torquato

Pai Nosso

Algo parece muito errado no Brasil, Senhor

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Gaudêncio Torquato

Jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político

"Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome (...)"

O Brasil, Senhor, é um pedaço de terra de dimensão continental, onde riquezas naturais incomparáveis realçam a exuberante beleza de paisagens e emolduram um bioma, o amazônico, que ocupa 60% da extensão do país.

É com sentimento de perda, ó Pai, que vemos a cobiça avançar sobre o coração pulsante do planeta, acendendo gigantescas fogueiras, enchendo a terra calcinada em todos os biomas com marcas de devastação que atingem vergonhosos 8,6 mil km2 na Amazônia entre agosto de 2021 a julho de 2022, o terceiro maior da série histórica, atrás apenas dos dois anos anteriores.

O professor, jornalista e consultor político Gaudêncio Torquato - Zé Carlos Barretta - 28.jun.17/Folhapress

A natureza se dobra ao escandaloso desfile de oportunistas, criminosos, larápios, vilões, corjas formadas nos labirintos da criminalidade.

Algo parece muito errado, Senhor. Pois é inconcebível que tamanho despudor aconteça em um ciclo discursivo que tanto enaltece as glórias do céu. Que tanto clama por vosso nome. Que puxa a religiosidade para a guerra suja da política. Que conclama crentes de todos os credos a participarem do grande encontro místico, celebrado por uma miríade de pastores.

Ou será, Senhor, que vosso sagrado nome é apenas isca de um anzol para capturar a maior quantidade de peixes no lago e fazer deles mercadoria de uma fé plasmada nas câmaras secretas dos templos? Não estaria vosso nome clamado em vão? Não seria o caso de lembrarmos o ensinamento de Jesus? "Dai a César o que é de César, e a Deus, o que é de Deus".


"(...) Vem a nós o vosso reino (...)"

A verdade, Senhor, é que o vosso reino é invocado para disseminar entre nós as sementes da fé e da esperança, da caridade e da temperança, da harmonia e da paz, do amor ao próximo e da verdade. Por trás das palavras abençoadas de grandeza esconde-se, porém, um repertório de maldades e emboscadas, de mesquinhez e desgraças.

Por que puxar a igreja para o ambiente laico do Estado? Por que os nossos governantes defendem e incentivam a mistura entre as coisas de Deus e as coisas de César? Truque para convencer os incautos e fazê-los acreditar que o Senhor do Alto recomenda o voto em seus "escolhidos"? E quem são eles?

"(...) Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu (...)"

A vontade terrena há de se inspirar na vontade celestial e abrigar critérios e valores da convivialidade humana, assentada no império da ordem, do respeito e da honra. Um oceano separa povos e nações. Guerras e conflitos fazem jorrar sangue. Vales e planícies cobertas de corpos sem vida. Aqui e alhures, respira-se o clima de discórdia. Tudo vale no mercado do poder.

"(...) O pão nosso de cada dia nos dai hoje (...)"

Fazei, Senhor, que famintos, contingentes que não têm acesso à mesa do pão sobre a mesa, sejam saciados. A eles, que chegue uma fatia do pão, sobras da mesa de fartos consumidores. As margens de nossa sociedade se alargam, com mais de 30 milhões que vegetam nas fronteiras da extrema pobreza. O povo, conforme vossa cartilha nos ensina, Senhor, não é um detalhe. Do povo emana o poder que a representação política ostenta.

"(...) Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido (...)"

Ah, como seria belo contemplar o gesto de mãos se cumprimentando, com perdão aos nossos ofensores. Que sejamos iluminados para expressar alento e confiança no amanhã. Sob a virtude da generosidade. Que as nossas alas da esfera política contenham seu ímpeto. E deixem de evocar palavras do mal.

"(...) Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal (...)"

As coisas desse mundo, Senhor, nos levam a caminhar em trilhas não recomendadas, cheias de atrativos nem sempre saudáveis. Caminhada que cruza com a maldade, fazendo-nos reféns das mazelas que infestam o nosso cotidiano. Que possamos dizer como Zaratustra: "Novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga; como todos os criadores, cansei-me das velhas línguas. Não quer mais, o meu espírito, caminhar com solas gastas".

" (...) Amém!"

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