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Brecha no STF à reeleição de Maia e Alcolumbre seria um contorcionismo, dizem especialistas em Constituição

Decisão do Supremo que barrou brecha para reeleição no comando do Congresso teve reviravolta após pressão pública

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São Paulo

A possibilidade de reeleição para as presidências da Câmara e do Senado em uma mesma legislatura só seria possível por meio de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) aprovada em dois turnos no parlamento, afirmam professores de direito constitucional ouvidos pela Folha.

Segundo esses especialistas, não há brechas para uma interpretação diferente.

Neste domingo (6), o Supremo Tribunal Federal barrou a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O placar ficou em 6 a 5 contra a reeleição de Alcolumbre, e 7 a 4 contra a de Maia.

Os especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes em dizer que a Constituição é clara ao vedar a recondução numa mesma legislatura e de que a flexibilização possível já ocorreu, com a permissão para recondução em legislaturas diferentes, como no caso de Maia.

O presidente da Câmara dos Deputados, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), durante sessão solene do Congresso Nacional - Geraldo Magela/Agência Senado

Maia está no seu terceiro mandato consecutivo à frente da Câmara. Ele assumiu a cadeira pela primeira vez em julho de 2016, em um mandato-tampão, após a renúncia do ex-presidente da Casa Eduardo Cunha (MDB-RJ), e não largou mais.

Depois disso, na mesma legislatura, conseguiu parecer técnico favorável a que participasse de nova disputa, em 2017. Já no início de 2019, em uma nova legislatura, o que é permitido pela Constituição, disputou novamente e venceu.

Embora sem travas diretas pela Constituição, a reeleição em legislaturas diferentes só foi liberada em 1999, quando Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Michel Temer (PMDB-SP) conseguiram um segundo mandato consecutivo para comandar o Senado e a Câmara.

Professor de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP e colunista da Folha, Conrado Hübner afirma que as regras jurídicas são divididas em três grupos: as que estabelecem obrigações, as que estabelecem direitos e as que estabelecem proibições ou vedações.

“Não existe nenhuma regra mais fácil de aplicar do que aquela que proíbe uma conduta objetivamente definida. A regra constitucional diz que não pode reeleição. Não há brecha nenhuma”, diz.

O artigo 57 da Constituição, no parágrafo 4º, afirma: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

A atual legislatura começou em fevereiro de 2019 e se estenderá até fevereiro de 2023.

Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes defendeu que o Congresso pudesse alterar a regra internamente por uma mudança regimental, questão de ordem ou "qualquer outro meio de fixação de entendimento próprio à atividade parlamentar", e não necessariamente pela aprovação de uma PEC.

A professora de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná, Vera Karam, acrescenta que no caso da recondução, o artigo constitucional é categórico ao vedá-la.

“Eu respeito o voto do ministro Gilmar, mas é um voto que faz um contorcionismo constitucional, interpretando esse artigo 57, parágrafo quarto, como se ele não fosse firme no que ele quer dizer e significar."

"O constituinte foi bem claro ao determinar que a recondução é vedada. Isso depois se repete nos dois regimentos internos das Casas”, completa a professora.

O advogado Rodolfo Viana Pereira, professor de direito constitucional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), cita também o artigo 44 da Constituição, que deixa claro que os ciclos internos dos mandatos são de quatro anos, ainda que, no Senado, o mandato seja de oito anos.

Pereira, assim como a professora Vera Karam, avalia que haveria um risco, caso os ministros aprovassem a recondução.

“Não existiria qualquer limite de reeleição para as mesas, porque, se já é permitido o exercício subsequente de mandato ao final da legislatura e no início de uma outra, se se permitisse que, dentro de uma própria legislatura houvesse essa possibilidade, o texto constitucional seria violado por completo porque na prática não existiria nenhuma trava para a reeleição”, diz o professor da UFMG.

Para o professor de direito constitucional Rubens Glezer, da Fundação Getúlio Vargas e um dos coordenadores do centro de estudos Supremo em Pauta, Gilmar deu uma "volta gigante" e apresentou um argumento “muito contraintuitivo”, citando exemplos de outros países, para dizer que a proibição à recondução é autoritária.

“É muito difícil defender esse voto do ministro Gilmar Mendes, que é ainda mais fragilizado se você considerar outras ocasiões em que o Supremo interferiu brutalmente na organização do legislativo”, diz, citando o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em que o STF não permitiu que o Congresso definisse se os votos na comissão especial seriam abertos ou não.

“O voto do ministro Gilmar tem que omitir que não tem uma direção clara e una para dar uma autodeterminação para o Congresso. Em várias ocasiões o Supremo interfere e decide que o que está determinado constitucionalmente”, completa Glezer.

Vera Karam avalia que não cabe a comparação sobre a realidade de outros países, pois a não recondução foi uma escolha do constituinte.

“O ministro Gilmar alega que uma interpretação à luz do princípio republicano deveria considerar a possibilidade da reeleição. Acho o contrário. Na medida em que se é para levar em consideração o princípio republicano há meios para rever a própria norma constitucional pela via de emenda à Constituição”, diz.

A professora da UFPR também afasta a hipótese de brecha pelo fato de haver uma emenda que autoriza a reeleição para a Presidência da República.

“Eu acho que a matéria tem que ser pautada no Legislativo por uma nova proposta de emenda constitucional [PEC]. Além disso, a norma que a gente chama de norma parâmetro, que fundamenta o controle da constitucionalidade, é a norma da Constituição”, afirma.

Para Hübner, o voto de Gilmar não é de juiz, mas de “teórico da política”.

“Ele basicamente diz que a regra constitucional não precisa ser aplicada porque a solução alternativa seria mais compatível com princípios da Constituição. É manipulação retórica, um enorme desrespeito à institucionalidade da democracia. Esse comportamento não é incomum em alguns ministros do STF."

O professor da USP afirma que cabe ao Congresso aplicar a decisão e, se quiser mudar, deve seguir os trâmites de uma PEC. Mas Hübner avalia que dificilmente haverá “tempo e condições políticas favoráveis até o pleito de janeiro”.

Pereira, da UFMG, afirma essa alteração não poderia ser feita simplesmente por uma mudança no regimento interno, mas, caso isso ocorra, haveria uma nova discussão jurídica sobre a competência do Supremo de fazer a análise sobre a constitucionalidade disso.

Vera Karam acrescenta que, quando a Constituição veda a reeleição imediata, há aí o princípio de alternância dos poderes, algo que avalia como saudável para a democracia e para a República.

“Se fosse possível alterar somente por regimento, a gente ficaria muito vulnerável conforme quem estivesse ali nas respectivas presidências, por isso a norma parâmetro é a Constituição e, para mim, a Constituição não deixa dúvida”, afirma.

Para Glezer, da FGV, o processo de aprovação de uma emenda à Constituição, que exige votação em dois turnos, com aprovação de três quintos dos votos dos deputados, 308 parlamentares, e dos senadores, 49 votos, garante que a Carta não seja alterada de um dia para o outro.

“É a ideia de que você tem algumas regras que mantêm o equilíbrio entre maiorias e minorias, entre governo e oposição, que dão uma estabilidade de médio e longo prazo e que em situações excepcionais pode ser muito tentador modificá-las”. diz.

“Você pode ter algum desejo de conjuntura, em que você queira jogar fora esse equilíbrio de médio e longo prazo em favor de um resultado de curto prazo. O que a Constituição faz não é impedir que isso aconteça, mas ela dificulta.”

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