Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

A sinistra memória do Dops

Órgão de repressão foi criado há 100 anos e serviu como aparelho da ditadura

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São Paulo

Poucos lugares guardam uma memória tão sinistra como o imponente prédio com cinco andares e cor de tijolo localizado no Largo General Osório, no centro de São Paulo.

É uma edificação de 1914 e foi projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo. Sua função original foi abrigar o Armazém Central da Estrada de Ferro Sorocabana. Mas, a partir de 1942, passou a ser sede do temível Departamento de Ordem Política e Social (Dops), polícia política mais antiga do país, criada em 1924, no governo Artur Bernardes. Depois do Golpe Militar serviu como equipamento de repressão e tortura. Foi o epicentro das atrocidades cometidas pela ditadura.

O local, bem próximo da estação da Luz, hoje abriga a Estação Pinacoteca e o Memorial da Resistência e é um exemplo da reconversão arquitetônica ao transformar um lugar de destruição e morte em um espaço de arte e reflexão política. Ali, lembra-se todos os dias da violência de Estado e de governos criminosos que subjugaram seus oponentes.

Antiga sede do Dops
Prédio onde funciona o Memorial da Resistência era a antiga sede do Dops em São Paulo - Vicente Vilardaga

O Memorial da Resistência reluz no térreo do prédio e serve, antes de mais nada, para lembrar as agruras do passado e impedir que não se repitam. O local teve seu interior modificado, mas restaram quatro celas de cerca de 25 metros quadrados onde eram enclausurados os adversários do regime.

Em cada uma delas chegavam a ser aglomeradas 40 pessoas tratadas de maneira humilhante e sendo submetidas a sessões de tortura. Hoje as celas servem, assim como o corredor principal e o corredor do banho de sol, para abrigar uma exposição de longa duração.

O visitante tem acesso a testemunhos sobre o cotidiano na prisão e a fotos de muitos dos brasileiros que foram mantidos atrás das grades por causa de suas posições políticas. As celas preservam o lúgubre ambiente carcerário e fazem pensar na maldade humana. Muitos ex-presos relatam que as sessões de tortura aconteciam no quarto andar do edifício.

Luiz Inácio Lula da Silva deixando a sede do DOPS, em São Paulo - Folhapress

Passaram por ali dois presidentes da República: Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma foi presa em 1970, no governo de Emílio Garrastazu Médici, no auge da perseguição política. Sua detenção aconteceu em São Paulo, no dia 16 de janeiro de 1970. Com 22 anos, ela era uma das responsáveis pela guarda do arsenal da organização VAR-Palmares na capital paulista. Ela conta ter sido torturada na cidade por 22 dias seguidos. Nesse período, o cruel Sérgio Paranhos Fleury era delegado do Dops.

Lula foi preso no dia 19 de abril de 1980, quando a ditadura já se enfraquecia. Então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, ele viu dois veículos com oito homens armados chegarem na sua casa para levá-lo ao Dops. Ficou 31 dias encarcerado. Diz que foi bem tratado pelos policiais que, inclusive, o liberaram para ir ao enterro da mãe. Na ocasião, o diretor do órgão era o delegado Romeu Tuma.

Cela do antigo Dops
Cela do antigo Dops, em São Paulo, que recebia presos políticos da ditadura - Vicente Vilardaga

A lista completa das maldades cometidas pelo órgão da repressão jamais virá completamente à tona. Mas, desde 1992, os documentos do Dops estão no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Além de 150 mil prontuários, o acervo conta com 1,5 milhão de fichas policiais que remetem a nove mil dossiês. Pesquisá-lo é um caminho para se chegar mais perto da verdade.

O Dops paulista foi extinto em 1983. Nos anos seguintes, até 1998, o prédio passou a abrigar a Delegacia do Consumidor (Decon), ficando em seguida parcialmente abandonado. Em 2003, começou a ser administrado pela Pinacoteca e só em 2009 foi inaugurado o Memorial da Resistência. Atualmente, no seu terceiro andar, acontece a exposição "Mulheres em Luta - Arquivos da Memória Política", que conta com depoimentos de mulheres que vivenciaram a violência de Estado entre 1964 e 1985. A entrada é gratuita.

Apesar de o prédio ter sido restaurado e ganhado novos significados, seu entorno se mantém deteriorado e o largo General Osório virou um polo de aglomeração de dependentes químicos. Ainda se espera que a Estação Pinacoteca tenha um impacto urbano positivo mais abrangente e que possa ajudar a mudar a região. Talvez seja só questão de tempo.

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