Brasil

Histórias e personagens pelo país afora

Brasil - Brasil
Brasil
Descrição de chapéu indígenas

Conheça Chico da Funai, que há 50 anos vive com xavantes em Mato Grosso

Técnico indigenista viu população diminuta da década de 1970 voltar a crescer e conviver com problemas decorrentes da entrada de alimentos industrializados nas aldeias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Canarana (MT)

A primeira impressão que Francisco dos Santos Magalhães, o Chico, 66, teve ao frequentar uma aldeia indígena no início da década de 1970 foi a de querer ir embora o quanto antes do local. Quando conseguiu, três meses depois, não ficou um dia sequer na cidade, voltou para o convívio com os xavantes e passou dois anos sem retornar à zona urbana.

Então com 15 anos e trabalhando num posto de combustíveis, o hoje técnico indigenista da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) chegou à aldeia xavante à margem direita do rio das Mortes, distante cerca de 50 quilômetros de Canarana (MT), a trabalho, para cobrir seu então patrão que ficaria fora do estado por três meses para fazer um curso de indigenismo.

Imagem mostra o servidor da Funai Francisco dos Santos Magalhães, o Chico, durante conversa com mulheres indígenas xavantes na aldeia Caçula, em Canarana (MT)
O servidor da Funai Francisco dos Santos Magalhães, o Chico, conversa com mulheres xavantes na aldeia Caçula, em Canarana (MT) - Bruno Santos/Folhapress

"Não queria ir, mas ele insistiu bastante. Falei que iria experimentar e passei três meses chorando para ir embora. Quando ele chegou de volta e me trouxe [para a cidade], não fiquei nem um dia. Sabe quando você chega num lugar e parece que te tiraram alguma coisa? Senti que não me cabia mais, voltei e fiquei dois anos lá sem voltar [à cidade]", disse ele à Folha após uma reunião com mulheres indígenas da aldeia Caçula, na terra indígena Pimentel Barbosa.

Ela ocupa uma área de 328 mil hectares em quatro municípios mato-grossenses –além de Canarana, Água Boa, Nova Nazaré e Ribeirão Cascalheira.

Na aldeia, tratou de começar a aprender a língua xavante e seis meses depois já sabia o básico e, em um ano, era fluente. Passou a comer peixe com quiabo e farinha com os indígenas e ingressou de vez na comunidade.

"Dormia lá, comia lá, a minha vida era toda lá", disse. Aprendeu a caçar, a produzir artesanato e a respeitar tradições indígenas, além de ter presenciado inúmeras cerimônias.

A Funai entrou em sua vida em 1979, quando passou num concurso e, nos 44 anos oficialmente na fundação, viveu altos e baixos da população xavante ao lado dos indígenas.

Primeiro foi ver o povo xavante ser reduzido a um contingente de pouco mais de 5.000 membros, naquele final da década de 1970.

Depois presenciou a deterioração gradual da alimentação dos indígenas, que hoje sofrem com problemas como diabetes, e a retomada do crescimento populacional nas aldeias.

Também precisou atuar para acabar com conflitos entre indígenas e posseiros numa outra terra indígena, no início dos anos 2000.

"Esse número [população] está aumentando cada vez mais. Apesar de ter ocorrido muitas perdas com a questão da Covid, ela cresce 5% ao ano. Hoje está em quase 25 mil." Na aldeia Caçula, onde a Folha esteve, moram 2.712 indígenas.

A introdução de alimentos que não fazem parte da cultura indígena tem causado problemas de saúde nas aldeias e, na avaliação do técnico, os xavantes têm uma necessidade muito grande de ajuda governamental.

"Mas não ajuda de ficar dando as coisas, e sim implantar um trabalho que trará um resultado benéfico para eles, para terem alimentação saudável e mais qualidade de vida."

Entre os problemas relatados pelo servidor da Funai estão o consumo excessivo de arroz, refrigerantes e o açúcar existente em produtos industrializados como bolachas recheadas.

"Isso é muito, muito ruim. A gente vê e é uma coisa que não tem como resolver de imediato. Até você colocar para que eles voltem a consumir o que era no passado é muito difícil [...] A gente tem feito um trabalho", afirmou.

Responsável pela terra indígena Pimentel Barbosa, Chico foi agraciado em 2017 ao lado de outros nove indigenistas da Funai e do cacique Raoni com a medalha de honra ao mérito indigenista, recebida no passado por nomes como Darcy Ribeiro (1922-1997) e o xavante Mário Juruna (1943-2002), primeiro indígena a cumprir um mandato de deputado federal, eleito em 1982.

Além das aldeias existentes em Canarana, Chico é responsável por outras cinco em Ribeirão Cascalheira, cidade distante 129 quilômetros.

Casado e pai de três filhos, tem 11 netos, 8 deles de um filho que tem uma família indígena e vive na Terra Indígena Sangradouro, também em Mato Grosso e habitada por xavantes e bororos.

"Eu praticamente moro na aldeia, é o tempo todo andando na aldeia. Minha esposa fica brava comigo, fala que só estou em casa no final de semana. Mas tem vezes que nem no final de semana tem tempo. Sou servidor público e servidor público é 24 horas. Existe uma diferença de servidor público para funcionário público, eu não sou funcionário público, sou servidor público", disse ele, que deve se aposentar em cinco anos.

O jornalista viajou a convite da Fundação Bunge

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.