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Cacique Raoni mora em Mato Grosso e não há evidências de que ele tenha imóvel em Paris

Post enganoso reage a críticas feitas pelo líder à política indigenista de Jair Bolsonaro

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São Paulo

É enganoso post que acusa o cacique Raoni de ser proprietário de apartamento em Paris. A publicação verificada pelo Projeto Comprova reage a uma notícia com críticas de Raoni à política indigenista de Jair Bolsonaro (PL) e reforça uma sequência de boatos sobre o assunto publicadas desde 2019 na internet.

A reportagem não conseguiu realizar buscas em órgãos franceses apenas com o nome de Raoni como proprietário de imóvel.

Questionado sobre a publicação, Beptuk Hokrit Metuktire, um dos netos do líder indígena, demonstrou indignação ao acessar o post. "Essa gente não tem noção, e não tem vergonha na cara sobre as mentiras que eles inventam", reclamou.

O cacique Raoni, em evento em Belém; indígena teve seu nome envolvido em desinformação sobre imóvel em Paris - Ueslei Marcelino - 5.ago.2023/Reuters

Hokrit afirma que o avô mora em Mato Grosso, não tem imóvel na Europa nem nunca deu declaração sobre isso. Ele diz que, atualmente, a saúde de Raoni atravessa momentos ruins e que, por conta disso, necessita se deslocar da aldeia até o município de Peixoto de Azevedo. Nesta cidade, eles alugam imóvel para que o cacique se hospede e cumpra bateria de exames e tratamento.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 4 de agosto, a publicação tinha 73,2 mil visualizações, 3,7 mil curtidas e 543 compartilhamentos.

Como verificamos

Usamos o Google para checar reportagens publicadas sobre o assunto. Também pesquisamos sites nacionais e internacionais relacionados ao tema. Em redes sociais, buscamos parentes do líder indígena e conseguimos contato com um de seus netos.

Boato circula desde 2019

A alegação de que Raoni seria dono de um imóvel em Paris começou a ganhar força na internet em 2019. Vídeo de uma inspeção de compra de ouro em Gana passou a circular nas redes sociais como se mostrasse o líder indígena negociando terras da Amazônia por meio de ONGs da região. Alguns posts alegavam ainda que o objetivo seria a compra de uma mansão na capital francesa.

Na época, agências de checagem como Estadão Verifica e Lupa já mostravam que a suposta ligação de Raoni à filmagem em Gana era explorada em peças de desinformação.

O Les Observateurs, serviço de checagem do France 24, descobriu que um dos homens que aparece nas imagens é o advogado italiano René Verrecchia. Ao portal francês, Verrecchia afirmou que "tudo isso foi uma deturpação grosseira de uma inspeção executada durante uma venda de metal" em Acra, a capital de Gana, que acabou não recomendada aos potenciais compradores.

Os ataques contra o líder indígena foram feitos em meio a críticas disparadas pelo então presidente Jair Bolsonaro, que dizia a seus apoiadores que o representante kayapó teria sido "cooptado por chefes de Estado". Raoni criticou em diversos momentos a política ambiental de Bolsonaro e havia encontrado, poucos dias antes, o presidente da França, Emmanuel Macron, em uma campanha contra o desmatamento.

Em 4 de junho deste ano, Raoni esteve mais uma vez na França e se encontrou novamente com Macron. Ele também concedeu uma entrevista, para o jornal O Globo, em que acusa Bolsonaro de incentivar o ódio contra os indígenas. Diante desse cenário é que o boato voltou a circular entre bolsonaristas.

Fato é que a própria entrevista de O Globo mencionada na publicação checada pelo Comprova mostra que Raoni Metuktire reside em uma aldeia no Mato Grosso. Um vídeo foi gravado na aldeia Piaraçu, localizada na Terra Indígena Capoto-Jarina, a quase mil quilômetros de Cuiabá —onde centenas de lideranças indígenas se reuniram em um "Chamado do Raoni" para fortalecer a luta indígena, como na posição contrária à tese do marco temporal de demarcação de terras.

A localização exata da aldeia aparece em um mapa produzido por jornalistas do G1.

Quem é o cacique Raoni

O cacique Kayapó Raoni tem o nome indígena Ropni Metyktire e não se sabe a data exata em que nasceu. O instituto com seu nome informa que provavelmente ele tenha nascido no início da década de 1930, em uma antiga aldeia Mebêngôkre (Kayapó) denominada Kraimopry-yaka, no nordeste do estado de Mato Grosso.

Ao longo da vida, ele foi protagonista de diversas lutas em favor dos povos indígenas e da Amazônia, passando a ser reconhecido internacionalmente como liderança e porta-voz da preservação do meio ambiente.

Desde jovem, sempre se envolveu em causas para defesa do seu povo. Por volta de 1954, ele conheceu os irmãos Villas-Boas —foi quando passou a ser o principal interlocutor entre os kayapós e o mundo.

O encontro com o cantor Sting em 1987 ampliou sua notoriedade internacional. O indígena também teve atuação na Assembleia Constituinte em 1987 e 1988, quando colaborou para a inclusão de direitos fundamentais dos povos indígenas na Constituição Federal de 1988.

Na década de 1990 e a partir do ano 2000, Raoni realizou inúmeras viagens pelo mundo e conquistou o apoio de importantes lideranças internacionais. Em 2019, início do governo Bolsonaro, Raoni voltou a pedir apoio pelos direitos dos povos indígenas e pela defesa da Amazônia. O cacique alertou o mundo sobre o crescimento do desmatamento e as ameaças do agronegócio, garimpos e madeireiras que exploram a floresta.

O que diz o responsável pela publicação

A reportagem não conseguiu contato com o responsável pela publicação. A conta do perfil não permite o envio de mensagens diretas e informa apenas o seu primeiro nome.

O que podemos aprender com esta verificação

Representantes indígenas e ambientalistas costumam ser alvos frequentes de desinformação, como forma de rebater suas críticas sobre a política de combate aos crimes ambientais e outros fatores que prejudicam os povos indígenas e seus territórios. O post, no entanto, faz uma acusação sem fornecer qualquer detalhe ou prova de que aquilo seja verdade. Nesse caso, o leitor deve se perguntar se aquela fonte de informação é confiável e pesquisar mais sobre o assunto. Uma simples pesquisa no Google seria suficiente para encontrar verificações jornalísticas de agências independentes desmentindo o boato.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

Em 2019, boatos semelhantes foram desmentidos por Estadão Verifica, Lupa e Boatos.org. Recentemente, o Comprova também apurou vídeo que enganava ao dizer que Lula vendeu Amazônia a mineradora em troca de dinheiro para o Fundo Amazônia. Também foi apurado conteúdo sobre retirada de produtores de arroz de terras indígenas que não ocorreu por determinação de Lula.

A investigação desse conteúdo foi feita por Estadão e Portal Norte e publicada em 4 de agosto pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, UOL, O Popular, Grupo Sinos, Plural, Correio Braziliense, SBT e SBT News.

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