Café na Prensa

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Café na Prensa - David Lucena
David Lucena

Crise do clima fará com que bons cafés se tornem mais exclusivos, diz especialista

Um dos maiores baristas do mundo, Tim Wendelboe afirma que consumidor não se importa com sustentabilidade

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São Paulo

O aumento da temperatura do planeta fará com que os cafés de qualidade fiquem cada vez mais inacessíveis. Isto porque o cultivo requer condições climáticas específicas, normalmente em locais de elevada altitude e com clima mais ameno.

É o que diz ao Café na Prensa Tim Wendelboe, norueguês considerado por muitos o melhor barista (especialista no preparo de cafés) do mundo. Em entrevista por videochamada, Wendelboe falou sobre ambiente, terroir, planos para o Brasil e mais.

Um dos primeiros vencedores do World Barista Championship, que elege anualmente o melhor profissional da área, Wendelboe já foi descrito pelo jornal Financial Times como o René Redzepi dos cafés –em referência ao chef do Noma, restaurante eleito o melhor do mundo cinco vezes segundo o The World’s 50 Best Restaurants.

Homem branco com camisa branca serve café em uma xícara
Barista Tim Wendelboe prepara café em sua cafeteria em Oslo, na Noruega - Klaudia Koldras/Divulgação

"Os cafés da mais alta qualidade serão mais difíceis de obter no futuro porque eles normalmente crescem no alto das montanhas. Quanto mais quente fica, mais alto você tem que ir para chegar aos mesmos climas", diz Wendelboe.

Ele afirma que a crise climática deve acentuar a desigualdade no consumo. "Ainda haverá café barato, como os cafés commodities. Talvez essas qualidades fiquem ainda piores, talvez não. Mas acho que os cafés de maior qualidade vão ficar mais caros e mais exclusivos".

Wendelboe diz, no entanto, que as pessoas ainda não se importam muito com questões como sustentabilidade, transparência e comércio justo na cadeia produtiva do café. "Acho que a maioria dos consumidores ainda não se importa com isso, para ser honesto. Por exemplo, se você vir a maior parte do café que está sendo vendido em todo o mundo, ele não é rastreável", diz.

SEM PLANOS PARA O BRASIL

Tim é dono de uma conceituada cafeteria em Oslo, onde serve bebidas de torra clara e notas frutadas de altíssima qualidade. Com ambiente sóbrio e poucas mesas, o local é visitado por moradores e turistas do mundo inteiro. Conheça o espaço na galeria de imagens abaixo.

Atualmente, contudo, quem for ao Tim Wendelboe Espresso Bar não encontrará nenhum café brasileiro no cardápio. Isso, porém, não é um demérito do café do Brasil.

"Eu sei que vocês têm cafés fantásticos no Brasil. Mas, em geral, eles têm mais notas de chocolate e nozes. E isso costumava ser muito popular na Noruega. Mas a tendência agora é mais para cafés muito frutados e de alta acidez, como você encontra no Quênia e na Etiópia", afirma Wendelboe.

Além disso, ele diz que as maiores empresas de café da Noruega compram bons grãos brasileiros, que podem ser facilmente encontrados nos supermercados. Então quando o consumidor decide comprar um produto mais caro, ele normalmente prefere buscar cafés com sabores diferentes do que aqueles que ele encontra nos mercados tradicionais.

Apesar disso, Wendelboe, que já comprou cafés brasileiros, diz que está aberto a voltar a adquirir grãos do Brasil no futuro, embora ainda não haja nenhum plano concreto neste sentido.

"No momento realmente não temos capacidade para começar a comprar de mais origens. Ainda estamos enchendo os contêineres dos locais de onde já compramos".

Além de não vender grãos brasileiros, atualmente o e-commerce de Wendelboe, que envia cafés torrados para quase todo o planeta, também não entrega no Brasil.

"Infelizmente, existem algumas barreiras alfandegárias no Brasil que dificultam um pouco. A gente vendia para o Brasil, mas algumas mudanças há alguns anos dificultaram isso. Os pacotes eram parados na alfândega e não passavam. Então decidimos parar, por enquanto. Mas espero que no futuro possamos voltar a vender".

o que acha de cafés fermentados

Questionado sobre cafés fermentados, tendência que tem tido cada vez mais destaque, o barista sorri e diz: "It's not my cup of tea" (algo como "não é muito a minha praia").

Tecnicamente, todo café sofre algum tipo de fermentação. Mas ao que nos referimos aqui são os cafés hiper fermentados, ou seja, que passaram por algum processo induzido de fermentação, com a finalidade de acrescentar novos sabores que não estavam presentes originalmente naquele grão.

Ele explica o motivo de torcer o nariz para a tendência. "Acho que há dois lados disso. Acho ótimo se um agricultor puder agregar valor ao seu produto fermentando o café de certas maneiras. E se ele conseguir encontrar um cliente disposto a pagar mais caro pelo café por causa disso, perfeito, ótimo. Há sempre um mercado para isso, então tudo bem", diz.

"Mas, pessoalmente, acho um pouco desinteressante e não muito agradável de beber porque o sabor da fermentação é mais ou menos o mesmo, seja o café do Brasil, do Quênia ou da Etiópia. Se você fermentar muito o café, você só sente o gosto do fermentado, não sente o gosto de mais nada. Esse sabor é o mesmo para mim independentemente da origem, então você meio que tira um pouco da originalidade do café."

Em outras palavras, a fermentação aniquila o terroir do café. E, sim, café tem terroir, na opinião de Tim. "Muitas vezes tomamos café dos produtores dos quais compramos e alguns deles têm exatamente as mesmas sementes plantadas, mas cultivadas em diferentes partes de Honduras, por exemplo. E, mesmo com as mesmas sementes, têm sabores completamente diferentes."

CAFÉ COM QUEIJO?

Uma coisa curiosa sobre o Tim Wendelboe Espresso Bar, em Oslo, é que lá não é servida nenhuma comida. Só bebidas (cafés e derivados, claro). Apesar disso, o barista entende de harmonização, pois já desenvolveu o programa de cafés do restaurante Noma, em Copenhage.

Ele afirma, no entanto, que prefere tomar café puro, mas que queijos, de modo geral, são bons acompanhamentos. "Há queijos diferentes, claro, e muitos cafés diferentes. Portanto, é um exercício muito divertido experimentar queijos diferentes com um café ou cafés diferentes com o mesmo queijo".

Ele mencionou inclusive uma degustação harmonizada "fantástica" que fez no Brasil, elaborada pela barista Isabela Raposeiras, do Coffee Lab, escola/cafeteria que fica no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

MELHOR CAFÉ QUE TOMOU NESTE ANO

Ao fim da conversa, o Café na Prensa indagou qual o melhor café que Tim tomou este ano. "Uau, essa é uma boa pergunta. Eu bebo tantos bons cafés ao longo do ano. Nem sempre é acessível. Às vezes é apenas uma pequena amostra".

Após pensar um pouco, responde, sem modéstia, que talvez tenha sido um café cultivado na sua própria fazenda, na Colômbia, cuja amostra ele experimentou recentemente. "Estava com um sabor muito bom. Era uma variedade etíope cultivada na Colômbia, muito floral, frutada e agradável".

E arremata: "Para mim, a qualidade é mais do que apenas o sabor. É também saber como foi cultivado. Conhecer os agricultores, ver a melhora do café na região. Isso realmente me dá prazer de degustar".

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