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Um reator nuclear natural

Condições encontradas há 2 bilhões de anos foram capazes de gerar energia a partir de rochas

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Fabrício Caxito

Em 1939, os físicos alemães Otto Hahn e Fritz Strassmann estavam tentando sintetizar elementos químicos mais pesados que o urânio quando realizaram uma descoberta inesperada. Por meio do bombardeamento de átomos de urânio por nêutrons, os cientistas procuravam aglutinar as partículas resultantes e produzir partículas mais pesadas. Verificaram, porém, que o efeito obtido era o contrário: após as colisões, os átomos geravam vários elementos menos pesados. Pronto: estava descoberto o fenômeno da fissão nuclear, isto é, a partição de átomos maiores em partículas menores, que pode ocorrer tanto natural como artificialmente (como quando Hahn e Strassman jogaram nêutrons nos átomos de urânio como se fossem bolas de bilhar).

Mas como um átomo pode se partir naturalmente em vários outros menores? Podemos pensar em um núcleo atômico como uma bolha de sabão. Caso um núcleo tenha uma quantidade de prótons e nêutrons grande demais, ele pode colapsar, como uma bolha de sabão que estoura após crescer demais, entrando assim em fissão espontânea.

Arte ilustra um mineral verde no espaço rodeado por bolas de bilhar, que remetem a corpos celestes
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

A fissão espontânea e induzida de átomos de urânio gera diversos elementos menos pesados e raios gama, além de também liberar outros nêutrons do núcleo atômico fissionado. Cada evento de fissão do urânio produz em média outros 2,5 nêutrons, que podem ser expelidos em alta velocidade, atingindo outros núcleos de urânio ao redor. Assim pode se estabelecer uma reação em cadeia, desde que exista quantidade suficiente de urânio no material utilizado, a chamada massa crítica.

Além dessas partículas, cada evento de fissão ainda libera grande quantidade de energia. E, em 1942, Enrico Fermi, que acabou ganhando um Nobel de física, demonstrou que a exploração da energia nuclear era viável. Numa sala de jogos sob as arquibancadas de um estádio de futebol americano abandonado, na Universidade de Chicago, Fermi construiu o primeiro reator nuclear, batizado de Chicago Pile-1 (CP-1). Capaz de controlar a reação de fissão nuclear, o dispositivo consistia numa pilha de tabletes de urânio separados por blocos de grafite — o grafite atua como moderador, ou seja, reduz a velocidade dos nêutrons, impedindo que a energia seja liberada rápido demais, como acontece nas bombas atômicas.

Os reatores nucleares modernos se servem também de outros moderadores, como a água. O combustível utilizado é o urânio enriquecido artificialmente no isótopo urânio-235 (isótopos são átomos com o mesmo número de prótons, mas com número de nêutrons diferentes; o urânio-235 possui 143 nêutrons), que entra em fissão com muito mais facilidade que outros, como o urânio-238 (que possui 146 nêutrons). O urânio-235 corresponde a apenas cerca de 0,7% de todo o urânio que ocorre naturalmente hoje, sendo o urânio-238 o mais abundante (98,3%) — sem condições, pois, de atingir massa crítica, caso não receba um suplemento extra.

O urânio-235, porém, já foi muito mais abundante no passado geológico. Sua atual escassez se explica por seu natural decaimento radioativo para o chumbo-207, com uma meia-vida (tempo que metade dos átomos de urânio em determinada massa leva para se transformar em chumbo) de cerca de 700 milhões de anos. Como a Terra tem cerca de 4,5 bilhões de anos, estima-se que o urânio natural já foi muito mais naturalmente enriquecido no isótopo 235 do que nos dias de hoje. Poderia, no passado geológico, ter ocorrido uma concentração natural de urânio-235 capaz de atingir massa crítica suficiente para começar uma reação em cadeia?

Há indícios de que sim. Em 1972, uma usina na França percebeu que o minério que chegava à instalação era muito diferente do habitual. Uma análise química detectou enriquecimentos estranhos, como terras raras, zircônio e neodímio. Curiosamente, a concentração destes elementos no minério era semelhante às geradas como lixo nuclear nos reatores modernos. Este lixo nuclear, assim como o minério em questão, é rico em elementos menos pesados que foram gerados por fissão nuclear do urânio nos reatores, da mesma forma que Hahn e Strassman produziram elementos menos pesados a partir da fissão artificial do urânio.

O minério vinha da região de Oklo, no Gabão, e sua análise evidenciou que, de alguma forma, as condições para gerar e manter uma reação em cadeia foram obtidas naturalmente quando da formação deste minério, há cerca de 2 bilhões de anos. Naquela época, a composição do urânio natural chegaria a até 3% de urânio 235 – capaz de atingir massa crítica se o urânio fosse concentrado acima de determinado nível. No caso de Oklo, a própria água do mar funcionou como moderador, permitindo que o total de energia gerada, estimado em cerca de 15 mil megawatts/ano, representando o consumo de seis toneladas de urânio-235, fosse mantido em uma média de 20 kW por 800 mil anos. Esse nível de energia foi suficiente para cozinhar as rochas ao redor do depósito, deixando suas marcas no registro da história da Terra. E seria uma fonte de energia natural interessante para a população – se existisse alguma população humana naquela época…

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Fabrício Caxito é professor de geologia, pesquisador principal no projeto GeoLife MOBILE e filósofo pela UFMG.

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