Ciência Fundamental

O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Nada sei: como ser cientista?

Ninguém nos ensina a orientar alunos, tratar conflitos de interesse ou preparar projetos

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Edgard Pimentel

Certa ocasião, numa ponte-aérea Porto-Varsóvia, ao cruzar o Douro rumo a Coimbra eu ouvia a canção "Educação Sentimental II", do Kid Abelha. Nela, um verso em especial me chamou a atenção. Simplesmente por ser estritamente acerca da carreira científica: "E eu não sei o que fazer! Ninguém me ensinou na escola, ninguém vai me responder!!" Afinal, onde se aprende a ser cientista?

A resposta irrefletida é: no curso de doutorado. Afinal, é nessa etapa que cursamos disciplinas avançadas, temos nossas experiências em laboratórios, circulamos nacional e internacionalmente, e escrevemos os primeiros trabalhos de maior fôlego. Mas essa resposta é incompleta. Porque a carreira científica é muito mais profunda, e envolve muito mais habilidades do que aquelas que aprendemos no banco da escola.

Arte ilustra pessoas em uma corrida de obstáculos; há uma mergulhadora, um professor, uma botânica segurando uma muda e um facão, e um cientista de jaleco e segurando um microscópio, em última posição.
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

A orientação de estudantes e a supervisão de estagiários de pós-doutorado, por exemplo, além da preparação de projetos de pesquisa, das variadas atividades de avaliação, da arbitragem de artigos científicos em periódicos especializados, do tratamento de conflitos de interesse, são apenas algumas das tarefas a que o cientista deve se dispor a fazer, e precisa saber como fazer. Mas ninguém ensina.

Quando o assunto é a orientação de estudantes, vamos nos concentrar na formação de doutores. E, para ser breve, vamos simplificar demais a história. A típica situação envolve uma relação profissional entre o orientador ou orientadora e o aluno ou a aluna. Os dois lados têm expectativas, fantasias e restrições de diversas ordens, nenhuma das quais pode ser mediada por contratos ou regras escritas. Claro está que o lado mais sensível é o do estudante, que, ao contrário do orientador, ainda não tem uma carreira estabelecida.

Como explorar o potencial do aluno? Como apoiá-lo ao máximo sem torná-lo cientificamente dependente? O que é legítimo esperar ou cobrar do estudante? Como ajudar a lidar com os fracassos que enfrentamos diariamente na profissão? Essas respostas são fundamentais, uma vez que erros da orientação podem aniquilar carreiras promissoras para o desenvolvimento do país. E por mais fundamental que seja o savoir-faire da arte de orientar, não existe a disciplina "introdução à orientação".

E há a tarefa de avaliar: pares, artigos científicos, projetos de pesquisa e até programas de pós-graduação. O que significa avaliar? O que queremos, como comunidade científica, ao nos avaliarmos uns aos outros? Queremos produzir uma fotografia de cenários correntes ou apontar para as ambições da comunidade?

A avaliação de projetos de pesquisa submetidos a agências de fomento, por exemplo, é uma questão importante a ser considerada. Os projetos são, em geral, muito interessantes, muitas vezes em estreita colaboração com a comunidade internacional. Mas é crucial levar em conta que o volume de recursos é finito. E a decisão de quem avalia é distinguir entre projetos bons e projetos muito bons. O que faz a diferença? Talvez a tradição dos pesquisadores de publicar artigos em periódicos de altíssima seletividade. Ou o potencial nucleador do projeto, que é sua aptidão de gerar novas frentes de pesquisa onde antes não havia. Ou até mesmo a capacidade de desenvolver no país uma linha de pesquisa ainda inexistente. Os parâmetros são muitos, mas escassas as discussões a respeito deles.

Uma história pessoal pode ilustrar esse impasse, e tem a ver com um dos primeiros artigos de que fui parecerista. Inseguro, convencido de que não saberia escrever um informe coerente, tive a ideia de produzir dois: um aceitando e outro rejeitando o mesmo artigo. Algumas semanas depois tinha em meu computador um parecer positivo e outro negativo a respeito do mesmo trabalho! Imediatamente contactei o editor do periódico e declinei da responsabilidade. Não era talhado para aquilo, pensei.

Uma comunidade internacionalmente competitiva depende de habilidades diversas. E muitas não se aprendem no banco da escola. Sociedades científicas, academias, programas de pós-graduação e outros atores da arena científica podem dar os primeiros passos. Mas o esforço tem de ser cultural e reunir a coletividade.

*

Edgard Pimentel é pesquisador do Centro de Matemática da Universidade de Coimbra e professor da PUC-Rio.

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