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"Estamos perdendo espécies antes que possamos entendê-las", diz ecóloga

A paraibana Emanuelle Brito investiga como a mudança no habitat de abelhas e outros polinizadores afeta o equilíbrio ambiental e a produção de alimentos

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Meghie Rodrigues

Segundo a Organização das Nações Unidas, até 2050 a demanda por alimentos irá dobrar. E três em quatro culturas alimentares do mundo dependem de polinizadores como abelhas, borboletas, besouros, beija-flores e morcegos. "O problema é que estamos perdendo polinizadores em decorrência da destruição de habitats e das mudanças climáticas," diz a ecóloga Emanuelle Brito, pesquisadora de pós-doutorado no Laboratório de Ecologia e Conservação de Ecossistemas no Departamento de Ecologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). "As espécies estão perdendo suas interações [com o ambiente] a taxas muito altas, antes mesmo que possamos estudá-las e entendê-las," diz.

Polinizadores são importantes não apenas para a produção alimentícia — o que em si já seria motivo suficiente para a execução de políticas de conservação mais efetivas —, como para o equilíbrio de ecossistemas.

arte ilustra uma mão fechada rodeada por plantas e frutos; no pulso há um relógio e, sobre ele, uma abelha pousada
Ilustração: Clarice Wenzel - Instituto Serrapilheira

Mas esse conjunto está desaparecendo, e rápido. No ano passado, o Brasil viu alguns eventos de mortes de abelhas, sempre em grandes proporções: no Mato Grosso, mais de 100 milhões morreram em julho. No mesmo período, foram mais de 80 milhões na Bahia. Esses não são os maiores números registrados: entre outubro de 2018 e março de 2019 mais de meio bilhão de abelhas morreram no Rio Grande do Sul. O uso indevido de agrotóxicos é uma das principais causas da mortandade e pesquisadores correm contra o relógio para estudar abelhas e outras espécies, e também suas interações com os ecossistemas em que vivem.

Para Brito, não basta olhar para uma espécie isoladamente e pensar em ações de conservação que a beneficiem. É preciso pensar em conservação de sistemas inteiros para manter o equilíbrio ecossistêmico que assegure a sobrevivência de mais espécies. Cada polinizador seria uma peça de um quebra-cabeça complexo que só faz sentido quando observado em sua totalidade.

Uma forma de entender esse quebra-cabeça é observar a partição de recursos entre espécies — que é um dos elementos definidores da estruturação de ecossistemas. "Espécies diferentes vão em busca dos mesmos alimentos," observa Brito. Em vez de gerar uma competição que poderia resultar na perda de linhagens mais fracas, essa interação se articula de modo a garantir a coesão do sistema e a produção de serviços ecossistêmicos, como a polinização. Afinal de contas, uma espécie precisa da outra para garantir o equilíbrio de um ecossistema.

Muitos pesquisadores que vieram antes de Brito já fizeram essas observações e a ecologia de ecossistemas é uma área sólida no campo da biologia. O que a investigação da cientista da UERJ traz de diferente é o uso da matemática e da teoria dos grafos para entender essas interações e a tentativa de construir uma ponte entre o conhecimento teórico e as práticas efetivas de conservação.

Por meio de observações diretas e captação de insetos e outros animais para análise, Brito espera jogar luz sobre o quebra-cabeça de polinizadores em culturas alimentícias na Mata Atlântica, no interior do estado do Rio de Janeiro. A captura de abelhas e borboletas, por exemplo, ajudará a alimentar os modelos matemáticos da pesquisa. "Com a análise de pólen preso no corpo de espécies polinizadoras, é possível ter uma ideia de por onde elas passaram, com quais flores interagiram," ela explica.

Brito espera que a pesquisa ajude a melhorar práticas agrícolas. "Podemos produzir mais e melhor combinando produção e estratégias de conservação," diz.

Começando agora sua jornada no Rio de Janeiro, a pesquisadora sabe que há muito trabalho pela frente. Selecionada em um edital voltado a apoiar jovens cientistas negros e indígenas da ecologia, Brito não tem medo de desafios. Sua jornada foi repleta deles.

"Nasci no interior da Paraíba, em Patos, numa fazenda em meio à Caatinga," ela conta. Filha de pai agrônomo e mãe professora, Brito sempre teve acesso à educação, mas nem sempre às oportunidades que queria. "Estar longe dos grandes centros limita muito as possibilidades."

Depois da graduação na Universidade Federal de Campina Grande e mestrado na Universidade Estadual de Feira de Santana, ela concluiu seu doutorado na Universidade Federal de Goiás — tendo passado uma temporada de pesquisa na Universidade do Oregon, nos Estados Unidos. Ela não havia percebido que sua origem e sotaque eram uma questão até sair do Nordeste. Para Brito, há um preconceito velado no meio acadêmico. "Era comum eu escutar um 'você estudou isso na sua graduação?', ou 'tinha essa disciplina lá?', ou 'eu não entendo quando você fala'", exemplifica.

A concentração de recursos para ciência é parte do problema. "Amo o Nordeste, mas se ficasse por lá provavelmente não teria tantas oportunidades. A ciência brasileira ainda é muito concentrada no Sudeste e no Sul," diz. O fato de ser mulher tampouco contou a seu favor. "A gente sofre com assédio, com descrédito," observa — mas fazer ciência é a prova de que "a educação realmente tem o papel de mudar nossa vida."

E não apenas a dela. "Quero mostrar a meninas que vêm do mesmo lugar que eu que, sim, fazer ciência é realmente possível."

*

Meghie Rodrigues é jornalista de ciência.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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