Cozinha Bruta

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Quiosque na praia com jeitão de maldição

Assombra a celeridade da prefeitura do Rio em homenagear Moïse Kabagambe com quiosques operados por seus familiares

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São Paulo

Foi assombrosa a celeridade da Prefeitura do Rio de Janeiro em conceder, para a família de Moïse Kabagambe, a operação de dois quiosques na praia da Barra da Tijuca.

Afinal, quem não quer ter um quiosque na praia? É aquele sonho de baixa ambição que muita gente tem –eu já tive!– em algum ponto da vida. Vende uns cocos, frita uns peixes, conversa com todo mundo, aí fecha por dez minutos para um tibum no mar, faz mais social e ainda toma uma cervejinha no fim da tarde.

De chinelo, bermuda e camiseta furada, sem estresse. Vidão. Né?

Depende se a sua noção de boa vida é trabalhar no exato local em que seu filho foi trucidado, como prometia ser a rotina futura da congolesa Ivana Lay.

A mãe de Moïse Kabagambe, Ivana Lay, e o prefeito Eduardo Paes na entrega do documento de concessão dos quiosques na Barra da Tijuca - Adriano Ishibashi/FramePhoto

Recuemos um pouco mais. Será que Ivana, será que os outros parentes de Moïse algum dia sonharam em ter esse tipo de negócio? Será que eles queriam? Será que eles saberiam gerir um quiosque? Será que têm talento para isso?

Atordoados pela tragédia e ofuscados pelos holofotes, os familiares do morto aceitaram a oferta do prefeito Eduardo Paes (PSD), que previa estrutura completa e isenção de aluguel até 2030. Não tinham como negar. Puseram os congoleses numa sinuca.

Depois, ao perceber o tamanho da cilada, voltaram atrás. Em que fizeram muito bem.

Um negócio para tocar não é um bilhete premiado. É algo que se transforma em maldição quando você desvia o olhar por um átimo. Tudo pode dar errado. Geralmente dá.

De volta ao contexto específico dos parentes de Moïse, eles encontrariam uma paisagem mais hostil do que as corredeiras do rio Congo.

As pessoas físicas dos assassinos do rapaz não estarão mais no calçadão da Barra. Espera-se. Mas nada leva a crer que os imigrantes seriam recebidos com flores pela fauna daquele ecossistema.

Basta verificar o comportamento de policiais e guardas municipais na noite do crime. Eles não só pegaram levíssimo com os agressores flagrantes: também permitiram que os quiosques vendessem bebida, com o defunto quente no chão, por três horas depois do massacre.

E teve quem comprasse!

Está só no início o desembaraçar do novelo que conecta, possivelmente, as milícias da zona oeste carioca ao comércio de coco verde e mate açucarado na orla da Barra. Até o Gilmar Mendes vê que tem coisa.

A rapidez da oferta e a generosidade dos termos alimentam um carrapato atrás da orelha em relação às reais intenções de Paes. Que ele é o rei da autopromoção, todo mundo sabe. Parece que há algo mais.

Dá a impressão de que o prefeito se adiantou com pauta positiva para abafar o suposto escândalo que supostamente virá quando escarafuncharem o suposto esquema dos supostos quiosques.

Não é sensato cobrar do estado a reparação por crimes comuns cometidos por pessoas aleatórias. Seria mesmo o caso da morte de Moïse?

Ou será que, numa hipótese delirante, ele morreu porque perturbou o funcionamento de uma parceria entre milicianos e agentes públicos? Nem digo que ele ameaçou de fato a operação, apenas que bebeu e foi chato.

Gângsteres não precisam de motivo forte para matar.

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