Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Descrição de chapéu Rússia

Estrogonofe, patrimônio do Brasil

Boicotar o estrogonofe por causa da invasão da Ucrânia, além de inútil, é extremamente tolo

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São Paulo

O nome é estrogonofe. Não me venham com strogonoff. É russo? Talvez o strogonoff –ou melhor, Бефстроганов– seja, mas o estrogonofe é tão brasileiro quanto o futebol e o x-salada.

Além de inútil, é extremamente tolo boicotar o estrogonofe por causa da invasão russa na Ucrânia. Posso listar um rosário de motivos.

Comecemos pela origem do prato. Como ocorre com quase todas as comidas, não dá para confiar 100% nos relatos históricos –era comum que chefs modificassem ligeiramente receitas tradicionais para batizá-las com seu nome (ou o do patrão)–, mas aqui temos um enredo consistente.

Estrogonofe de carne bovina, um dos pratos mais vendidos do Bar da Dona Onça, em São Paulo
Estrogonofe de carne bovina, um dos pratos mais vendidos do Bar da Dona Onça, em São Paulo - Mauro Holanda/Divulgação

Dizem que as tiras de carne com mostarda e creme de leite foram criadas por um chef francês na cozinha de um certo conde Alexander Grigoryevich Stroganov, militar e político de grande poder no Império Russo, isso lá em meados do século 19.

Agora, onde morava o conde Stroganov à época da invenção do estrogonofe? Em Odessa, porto da Ucrânia sob o domínio do czar. Ou seja: de certa forma, o estrogonofe é um prato ucraniano. Franco-russo-ucraniano, para ser exato.

Cancelar o estrogonofe é um protesto de exceção, além do mais. Ninguém deixou de comer hambúrguer quando os americanos invadiram o Iraque e o Afeganistão. Nem a Segunda Guerra foi motivo suficiente para o mundo deixar de beber cerveja de estilo alemão!

E imagina se a moda pega? Vai que, lá na frente, a Itália resolva bombardear Malta. Você vai abandonar pizza, renegar a lasanha, dizer adeus ao espaguete? Eu, nem a pau.

O boicote às comidas típicas pode ainda ter implicações colaterais no contexto geopolítico. Digamos que o Brasil criminalize o faláfel em represália às ações de Israel na Palestina: Líbano, Síria e a própria Palestina, onde o falafel também é prato nacional, vão pagar o pato por tabela.

O estrogonofe nasceu para viajar, tem vocação para comida internacional. Não foram só os brasileiros que adaptaram a receita a seu modo.

Nos Estados Unidos, come-se o estrogonofe com macarrão no lugar do arroz. Os suecos preparam um versão feita com um tipo de salsicha local. No Japão, vendem-se cubos (semelhantes aos de caldo de carne) para serem diluídos em água, molho instantâneo de estrogonofe.

Na mãe Rússia, o estrogonofe é feito com creme azedo e é servido com batatas cozidas ou purê, às vezes picles também. Sou muito mais a nossa receita tropical.

Poderíamos trocar o ketchup por concentrado de tomate e usar uma mostarda melhorzinha, mas nada supera o modelo "escolha-sua-proteína" do estrogonofe brasuca. Pode carne, frango, porco, camarão, linguiça, coração de galinha, tofu, jaca, o que der na telha.

O estrogonofe é um patrimônio do Brasil. É aquele porto seguro no restaurante por quilo a que você vai pela primeira vez. Para compor o prato com tabule, pastel de queijo, umas folhinhas de agrião, ovos de codorna, batata palha e arroz.

Mais uma conchada de feijão, obviamente. E um pouquinho de farofa.

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