Cozinha Bruta

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Um mundo sem espaguete à carbonara

Europa e EUA enfrentam escassez de ovos: se eles desaparecessem de vez, seria uma hecatombe na gastronomia

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São Paulo

Voltei do mercado com uma dúzia de ovos –dúzia é modo de dizer pois, pelo menos na zona oeste de São Paulo, vendem-se ovos pela dúzia de dez.

Enfim, comprei uma caixa de ovos caipira (o erro de concordância é oferecimento do consórcio granjeiro) e pretendia fritá-los. Quebrei o primeiro: podre. Também o segundo e o terceiro. No quarto ovo podre, decidi comer outra coisa.

Depois fui ler a Folha e fiquei sabendo que, nos Estados Unidos e na Europa, está faltando ovo.

Espaguete à carbonara, feito com ovos, porco e queijo; em primeiro plano, uma taça de vinho tinto
Espaguete à carbonara, feito com ovos, porco e queijo - Leticia Moreira/Folhapress

As causas do desabastecimento, entre muitas, são uma epidemia de gripe aviária e a aplicação de leis para o bem-estar das galinhas poedeiras. Muitos animais morreram, outros tantos produzem menos e a custos maiores. O preço do disparou e o ovo sumiu da praça.

Mais adiante, lê-se que não há risco de semelhante escassez no Brasil. Pensei com meus ovos podres: só faltava essa. Se a crise fez do ovo o novo bife, o que poderia ser o novo ovo? A ervilha?

Imagine como ficaria o mundo sem ovos.

Sem minimizar o sofrimento das galinhas de granja, o desaparecimento dos ovos seria uma hecatombe na gastronomia. Entra ovo em tudo quanto é tipo de comida, até onde a gente mal desconfia.

Sem ovos, toda a confeitaria portuguesa simplesmente sumiria. Pastel de nata, toucinho do céu, queijada, travesseiro de Sintra, siricaia, em todos os doces de Portugal vai ovo. Os lusos precisariam inventar uma nova doçaria baseada, sei lá, no bacalhau.

Aliás, a pizza à portuguesa também deixaria de existir sem os ovos cozidos para compor com o presunto, a cebola e a azeitona.

Na Itália, uma vítima do apocalipse dos ovos seria o espaguete à carbonara –feito com carne de porco, queijo e gemas. Sem carbonara, uma multidão de foodies do Instagram ficaria à deriva feito os patriotários golpistas.

Mas o fim da carbonara representaria só uma pontinha do desastre na culinária italiana. Quase todo macarrão fresco é feito com ovos. Adeus, lasanha. Foi bom te conhecer, panetone. Até nunca mais, tiramisú.

A extinção dos ovos também deixaria um rastro de devastação na cozinha clássica francesa. O ovo é protagonista ou coadjuvante nas crepes, nas quenelles, nos suflês, nas quiches, no creme de confeiteiro, nos molhos hollandaise, béarnaise e, muito importante, maionese.

O brasileiro perderia muitos de seus pratos típicos, do quindim ao virado à paulista, do bolo de fubá ao pão de queijo. O botequeiro precisaria aprender a viver sem o bolovo. O marombeiro teria de repensar a vida num mundo sem omelete de claras –salvo se o extermínio dos ovos fosse restrito às gemas.

Felizmente, esse cenário macabro só existe na minha fantasia doente –e na Califórnia, onde as pessoas têm pulado o desjejum por falta do que comer com bacon.

Por aqui, os ovos apenas ficam mais caros a cada semana. Por falar nisso, preciso voltar ao mercado para pegar de volta o dinheiro dos ovos podres. Ou o certo seria ovos podre?

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