Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Chef Eudes, o gigante de São Sebastião

Dono de restaurante caiçara coordena ações para ajudar vítimas da chuva e se destaca como grande líder comunitário

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Choveu durante toda a madrugada e a manhã do domingo de Carnaval em São Paulo. Na cidade de São Paulo, para ser específico.

Aqui, em cima da serra, o aguaceiro macondino era um perrengue para quem pretendia sair nos blocos –ou, para mim, um motivo para engatar um cochilo depois de acordar ressacado e tomar café.

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Chef Eudes Assis, de São Sebastião, lidera corrente de solidariedade em apoio às vítimas da tragédia no litoral norte - Ricardo D'Angelo/Divulgação

A Folha, ainda bem cedo, informava que a rodovia Rio-Santos, na altura de Ubatuba, havia sido interditada num trecho de 25 quilômetros. Algo de muito sinistro acontecia no litoral, mas reverberava bem pouco na capital até perto da hora do almoço.

Apesar de o oceano estar logo ali, é bizarro como a barreira da Serra do Mar ainda se impõe: o céu desaba, as estradas desmoronam, o sinal de celular cai, e a comunicação entre praia e planalto retrocede ao século 19.

Eu comecei a perceber a dimensão da tragédia em São Sebastião com um post de Instagram de Eudes Assis, o chef Eudes, que tem o restaurante Taioba no sertão de Cambury. Ele escreveu:

"Situação de calamidade pública aqui no Litoral Norte. Nesses meus 46 anos de vida, nunca vi nada parecido por aqui."

E já anunciava que fecharia o restaurante para preparar marmitas para as vítimas da chuva, além de pedir ajuda e doações.

O apelo do chef Eudes se espalhou pelas redes sociais –primeiro, entre chefs e gente da gastronomia, depois entre artistas e santaceciliers afins– antes que os portais da imprensa profissional noticiassem a catástrofe com números oficiais.

Isto não é uma crítica à imprensa: como jornalista, sei bem da responsabilidade de apurar direito os fatos antes de sair publicando. Isto é um elogio ao chef Eudes, que se destaca na tragédia do litoral como um grande líder comunitário.

Eudes é uma ave rara no viveiro da gastronomia. Por sua origem, evidentemente. Não é branco como 95% dos chefs do mesmo calibre. Não estudou em colégio de elite. Não é filhinho de papai nem amigo de banqueiro, não ganhou um restaurante montado.

O chef Eudes é caiçara e mestiço, criado na mesma paisagem magnífica que nós, paulistanos, invadimos para brincar de Havaí –expulsando as populações tradicionais para as encostas periclitantes.

Ele trabalhou no Fasano, estudou na França e não se deslumbrou. Fez o que ninguém ainda tinha feito: voltou para casa e serviu comida caiçara de altíssima qualidade, por preços conformes, para os veranistas invasores.

Paulistano, quando desce a serra, gosta de pagar fortunas por poke de salmão e brusqueta de shitake com óleo trufado, nos restaurantes qualquer-nota dos outros paulistanos. Eudes logrou romper essa lógica: capacitou sua gente e está fazendo parte do dinheiro circular entre os caiçaras.

O chef se entregou ao Projeto Buscapé, que dá apoio a crianças e adolescentes na praia de Boiçucanga. Lá está a cozinha que já entregou milhares de refeições para os desabrigados da chuva.

Eudes Assis, homem pequeno, de fala suave e modos gentis, revelou-se um gigante no Carnaval trágico de São Sebastião.

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