Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

O assassino da pizzaria

Restaurantes escondem realidade que você não quer conhecer, de insetos rastejantes a pistoleiros da máfia

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São Paulo

Edgardo Greco tem nas costas o assassinato de Stefano e Giuseppe Bartolomeo. Era um fugitivo da justiça italiana.

Em 1991, os irmãos Bartolomeo apanharam até a morte, triturados com golpes de barra de ferro, dentro de um depósito de pescados. Seus corpos nunca foram encontrados. A polícia presume que tenham sido dissolvidos em ácido.

A Interpol capturou Greco na quinta-feira (2), na cidade francesa de Saint-Etiénne. Integrante da ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, ele tornara-se chef. Vivia de assar pizzas, cozinhar macarrão e posar, todo sorrisos, para os fotógrafos das gazetas regionais.

Edgardo Greco, assassino da máfia calabresa preso na França, onde trabalhava vendendo pizzas
Edgardo Greco, assassino da máfia calabresa preso na França, onde trabalhava vendendo pizzas ORG XMIT: PAR104 - Reprodução/Carabinieri di Cosenza

Enfim, a realidade cumpriu o roteiro fantasioso de metade das pessoas que abrem uma pizzaria ou cantina. Tome fotos do Al Capone na parede, espaguete à mafiosa, Camorra aqui, Cosa Nostra acolá. É o default de todo estabelecimento que queira parecer italiano.

A romantização de gângsteres como cozinheiros de mão-cheia é cria da ficção ítalo-americana. Nos filmes de Coppola e Scorsese, sangue e molho de tomate são elementos intercambiáveis.

Como o episódio da prisão de Greco mostrou, nem sempre o retrato do Don Corleone na cantina é coisa caricata e sem nexo com o mundo real.

Criminosos fugitivos estão por toda parte –e a gastronomia, qual os navios piratas, é historicamente receptiva aos trabalhadores com passado cavernoso.

Tendemos a suspeitar do napolitano que faz pizzas na Bahia. Ou do francês que vende crepe na serra fluminense. Por que eles trocariam a Europa por uma casa de taipa e com goteira?

Esses, em geral, se enroscaram com gente da terra e resolveram ficar. O mafioso exibicionista é exceção.

Bandido raiz gosta de ficar detrás da porta da cozinha. Descascando batata. Areando panela. Sem chamar a atenção da clientela, encantada com a proposta e o conceito da casa.

Um restaurante nunca corresponde à imagem que vende. Como, aliás, qualquer negócio, família ou pessoa.

Por trás da fachada alegre e hospitaleira, há sempre algo que não se deseja mostrar. Podem ser insetos e roedores, pode ser um assassino da máfia.

Entre uma coisa e outra, o restaurante pode empregar trabalho escravo, esconder uma operação de lavagem de dinheiro, sonegar impostos, embolsar a gorjeta dos funcionários, adulterar o azeite da mesa, mentir sobre o peixe do dia.

O atendimento sorridente, não raro, é uma lâmina de desfaçatez profissional sobre um amontoado de intriga familiar, traição societária, burnout, depressão e dependência química. Pode não ter nada disso, mas nunca é um passeio de gôndola nos canais de Veneza.

Em São Paulo, uma lei obriga os restaurantes a pregar na parede uma placa com a frase "visite nossa cozinha". Você quer mesmo conhecer? Não recomendo, nunca fiz e não conheço ninguém que tenha feito.

Quando vai jantar fora, você compra fantasia –tanto faz se é um garçom fantasiado de mafioso ou um mafioso fantasiado de pizzaiolo. Pagar por fantasia e receber realidade é jogar esse dinheiro no lixo.

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