Cozinha Bruta

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Chocolate belga: acredita quem quer

Europa vende cacau de países tropicais, azeite africano, tomate chinês e outras paradas

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São Paulo

Derretem-se ilusões chocólatras com a revelação de que o Toblerone não mais poderá ser rotulado como chocolate suíço.

A Mondelez, transnacional proprietária da marca, decidiu produzir o chocolate prismático na Eslováquia. De acordo com a lei suíça, o Toblerone terá de abandonar qualquer menção ao país –incluso o desenho do monte Matterhorn na embalagem.

Chocolate suíço já foi uma grande grife, mas ficou meio demodê nas últimas décadas. Quando alguém vai vender caro o brigadeiro ou o picolé, a senha agora é dizer que o chocolate é belga.

Pessoa genérica segura chocolate Toblerone perto do Marrerhorn, na Suíça - REUTERS

Há um pequeno problema aí: mesmo quando o chocolate é belga, de certa forma ele não é. Tampouco o chocolate suíço é suíço.

Em comum, Bélgica e Suíça têm seus territórios 100% livres de pés de cacau produtivos. A Suíça usa como marketing o leite das vaquinhas alpinas –leite em pó, padronizado e sem origem declarada na embalagem.

A Bélgica, plana feito uma quadra de tênis, sequer tem Alpes para emoldurar vacas leiteiras. Toda a reputação do chocolate belga vem da propalada excelência em beneficiar as amêndoas de cacau vindas de ex-colônias europeias: Costa do Marfim, Gana, Indonésia e, em menor proporção, Brasil.

A Barry-Callebaut, gigante da indústria chocolateira, nasceu da fusão de empresas belga e francesa, tem sede na Suíça e uma unidade fabril em Minas Gerais.

Já não faz o menor sentido atribuir uma nacionalidade ao chocolate ou a qualquer outro alimento fabricado pela grande indústria –o artesanal é uma história totalmente diferente.

Cacau é commodity, leite em pó é commodity, e certamente a Mondelez tem condições de produzir exatamente o mesmo Toblerone na Suíça, na Eslováquia ou em Diadema.

Mas as pessoas não gostam de tanto internacionalismo, tanta impessoalidade. Dá uma falsa segurança a menção, textual ou subliminar, de uma procedência considerada nobre.

Em outras palavras, chocolate made in Diadema não vende bem. Daí a comoção com o Toblerone não-suíço.

A obsessão com a procedência da comida é tão velha quanto o escambo de mercadorias. Doido demais pensar que ainda persistem nomenclaturas da época das rotas das especiarias. Vá a uma feira livre e você encontrará, na barraca dos temperos, cravo-da-índia e canela-da-china.

A Europa, ponto final dessas rotas, soube capitalizar a coisa da comida de origem. Na esfera do consumo de luxo, criou um calhamaço de regulamentações para indicar a procedência de vinhos, queijos e presuntos produzidos no continente.

Nos artigos de consumo de massa, os europeus escamoteiam. Vendem tomate chinês com marca italiana, vendem azeite tunisiano com rótulo espanhol. Tudo dentro da lei, nas entrelinhas que permitem etiquetas ambíguas para produtos apátridas –às vezes, a matéria prima vem de um lugar, é processada em outro e embalada num terceiro país.

Complicado e chato demais, tudo isso. O que a gente quer é acreditar que fez um grande negócio ao pagar 15 contos num brigadeiro de chocolate belga.

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