Cozinha Bruta

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Descrição de chapéu alimentação sustentabilidade

Avocado toast, a assassina da vitamina de abacate

Nos países ricos, modinha alimenta o narcotráfico e faz estrago ambiental; no Brasil, destrói a cultura do abacate doce

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Londres

Nunca falha: você viaja, os espiões cibernéticos viajam com você. Em vez do anúncio tosco do milagre contra a calvície em Osasco, aparece algo sobre um levanta-defunto sexual em Londres.

Pode não ser tão ruim. O algoritmo do ex-Twitter me apresentou um artigo interessante do Telegraph, jornal britânico de direita, que eu não sigo.

O texto versa sobre como o abacate se tornou uma trincheira nas chamadas guerras culturais. Mesmo que não saiba plenamente, você luta em alguma delas há pelo menos dez anos.

Torrada com abacate em cima
Pão com abacate, transformado em avocado toast pelo raio gourmetizador - Cozinha Bruta - cyclonebill/Wikimedia Commons

São os atritos geracionais: a troca de sopapos entre os jovens, os ex-jovens que não se reconhecem como tais e os quase velhos encharcados de nostalgia.

É a treta entre a piada homofóbica e a festa alcohol-free do louvor ao cacau sagrado. A contenda de quem chama as cotas de mimimi contra quem se engaja nas causas das minorias.

O combate atua em numerosas frentes. A alimentação é uma delas.

De um lado, vegetarianos, veganos, entusiastas de dietas saudáveis e defensores de uma produção de alimentos sustentável e socialmente justa. Do outro, a galera para quem sódio, gordura e açúcar constroem o caráter de um homem.

O abacate se encaixa como símbolo de um estilo de vida que prioriza comidas vegetais, naturais, nutritivas e metidas a besta.

A tal da avocado toast –torrada de abacate no pão de fermentação natural com ovo pochê e outras gourmezices– se tornou uma bandeira identitária. Mas há alguns problemas.

O cultivo de abacate para abastecer toda essa galera modernosa foi parar na mão dos cartéis mexicanos, além de drenar reservas hídricas e causar desmatamento.

A turma da salsicha com miojo apontou, não sem fundamento, a hipocrisia da falange adversária.

A resposta, aqui no Reino Unido, veio de forma um tanto cômica. A rede londrina de restaurantes mexicanos El Pastor anunciou que nenhum abacate servido lá passa nas mão do tráfico.

Ainda que seja verdade, tem efeito pífio no estrago da febre global do abacate. Europeus e americanos fingem não ver que o abacate –assim como qualquer produto tropical– viaja longos e insustentáveis quilômetros para encontrar seus distintos paladares.

E o Brasil com isso?

O abacate dá na rua, até em cidades grandes como São Paulo. Não tem cartel, não tem monocultura devastadora. E tem uma cultura abacateira própria.

Enquanto o resto do mundo come abacate salgado, a gente taca açúcar. Guacamole era coisa diferentona até a virada do século.

Mas aí veio, com o atraso regulamentar, a modinha da torrada. Pegaram uma variedade pequena e exótica de abacate, que os gringos conhecem por "hass". Rebatizaram-na de "avocado", abacate em inglês.

Pipocam em São Paulo as "comedorias" especializadas em avocado toast e demais macaquices das estranhezas que nascem em West Hollywood e cercanias.

Seria só patético se não ameaçasse uma peculiaridade cultural nossa e, não menos importante, a vitamina de abacate com leite e açúcar. Abacate daquele grandão, com casca brilhante.

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