Este texto começa com um mea-culpa. Alguns dos livros listados abaixo não são apenas infantis ou exclusivamente para crianças. Esse é só o jeito que livrarias, editoras, leitores e imprensa costumam se referir a esse tipo de obra, que pode —e deve— ser lida por meninos e meninas, é claro, mas que tem potencial para encantar pessoas de todas as idades.
Autores e ilustradores costumam gostar mais do termo livro ilustrado (leia aqui uma entrevista com Nelson Cruz sobre o tema) para falar de publicações em que a imagem não se limita a dar contornos ao texto, mas tem vida própria, completa as palavras, discorda delas e cria outras interpretações.
Definições à parte, o que importa neste papo sobre livro ilustrado, livro álbum, livro infantil ou livro infantojuvenil não é a segunda palavra, mas o termo "livro".
Conheça abaixo cinco obras que não são se limitam às palavras, mas que são um convite para ler as imagens, entender o que elas contam e se impressionar com as ilustrações.
O Adeus do Marujo
Apesar de ter sido publicado no ano passado, já é possível dizer que este é um clássico do livro ilustrado brasileiro. Nele, Flávia Bomfim conta poeticamente a história de João Cândido Felisberto, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata. A vida dele e a própria revolução, que reivindicava o fim dos castigos físicos aos marinheiros, grande parte deles negros e filhos de escravos, são contadas em fotografias impressas em tecidos, que ganham intervenções de bordados. A escolha não é só um desbunde visual, mas é narrativa. Quando preso, João Cândido costumava passar o tempo bordando —tanto que duas de suas obras foram expostas na 34ª Bienal, em 2021.
Dia de Lua
Neste livro, Renato Moriconi continua um título anterior, "Dia de Sol". Se antes o protagonista era o astro que ilumina os nossos dias, agora é a Lua que participa de uma brincadeira visual. Indicado para crianças bem pequenas e bebês, com uma edição reforçada e bordas arredondadas, "Dia de Lua" parte do fato de o satélite sempre estar por perto, mesmo quando está claro, quando não conseguimos enxergá-lo. Como num jogo de esconde-esconde ou de "Onde Está Wally?", as ilustrações camuflam a Lua em cenas do cotidiano, como na vela de um barco ou num vaso de flores.
Posso Ficar no Meio?
Está é mais uma dica para as crianças pequenas. Em "Posso Ficar no Meio?", a alemã Susanne Strasser mistura narrativa visual, pitadas de nonsense e as clássicas histórias acumulativas —como a da velha a fiar, em que elementos vão sendo somados e repetidos. No livro, uma menina convida um grupo de animais para ler um livro. Primeiro vem o hamster. Depois, a zebra, o gato e o leão. No fim, aparecem também o peixe, a cegonha e o rinoceronte, cada um com um problema que impede o início da leitura. Embora o traço de Strasser seja mais tradicional, o título é uma boa oportunidade para investigar as imagens, ver uma cegonha comendo pipoca e rir de um rinoceronte vestindo pantufas.
A Árvore das Coisas
Texto e ilustração caminham ao mesmo tempo juntos e separados neste livro poético da chilena María José Ferrada e do espanhol Miguel Pang Ly. De um lado, as palavras contam a história de Maria, que tem um jardim com muitas árvores —mas uma é especial, pois nela florescem peixes, nuvens, estrelas e todos os tipos de coisas. As ilustrações acompanham a personagem, mas inserem um novo elemento na obra: o tempo. A menina vai crescendo ao longo das páginas, espichando, até ficar velhinha. É então que aparecem duas novas crianças no jardim, numa circularidade própria da vida.
O Pirata Medonho
Não que os piratas sejam retratados na literatura como os seres mais bonitos e bonzinhos, mas o desta história é "feio de dar dó" e "malvado como ele só". Já deu para perceber que o texto da autora, Vânia Alsalek, é todo rimado, numa estrutura de quadrinhas. As coisas mudam quando o protagonista decide enfrentar e matar um monstro, uma serpente marinha gigante. Sua humanização ganha novas camadas com as ilustrações da dupla Toco-oco, conhecida por produzir esculturas inspiradas em seres mitológicos e do folclore mundial. Nas imagens, pirata e monstro são quase gêmeos —e a luta de um com o outro se torna uma batalha consigo mesmo.
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