O mundo pode ser dividido em dois. De um lado, há aqueles que se divertem ao se perder numa livraria. De outro, estão os que acham angustiante ficar rodeado pelas dezenas de livros infantojuvenis que as editoras despejam nas prateleiras todas as semanas.
A aflição surge da inevitável pergunta: no meio de tudo isso, qual livro escolher?
Não vou me alongar muito porque o importante é a lista abaixo, que traz dez novos títulos para crianças e jovens. Mas vale dizer que a leva recente de lançamentos tem preciosidades como a história do sambista Cartola, almanaque poético sobre os rios brasileiros e obras de nomes como João Anzanello Carrascoza, Nelson Cruz, Ciça Fittipaldi, Cláudio Fragata e Marcelo Montenegro, que estreia na literatura infantil.
Veja abaixo dez boas e novas opções.
O Livro do Ouvido
Marcelo Montenegro estreia na literatura infantil com um livro barulhento. Pelas páginas ilustradas por Daniel Bueno, o poeta e roteirista desfila versos feitos com tantos sons que é possível escutá-los –e é para isso mesmo, daí o nome, "O Livro do Ouvido". Tem de tudo, de "gemido de geladeira" a "gás de Coca-Cola", de "pernilongo no cochilo" a "ranger de carrossel", sempre brincando com as palavras e com a sonoridade delas. O lançamento está marcado para o dia 1º de abril, em São Paulo, na Ria Livraria, mistura de bar e livraria na Vila Madalena, quando o título será vendido com 20% de desconto.
Diário das Águas
O livro é uma viagem poética pelo Brasil, nossas águas, nossas gentes e nossa língua. A escritora e jornalista Gabriela Romeu, que faz um dos trabalhos mais interessantes na literatura infantojuvenil hoje, cria uma narrativa mágica em "Diário das Águas". A obra percorre diversos rios do país e cria um almanaque sensível, formado por botos que derrubam meninos de canoas e rondam casas de moças, peixes com nomes de cachorra, curimatá e poraquê, além de vapores, tarrafas, canoas, aguapés e munzuás. As aquarelas de Kammal João completam o passeio e levam as águas para as ilustrações.
O Pulo da Carpa!
Ainda no mundo das águas e da poesia, André Gravatá conta uma história sensível a partir de 18 poemas –neles, o autor narra o dia em que viu uma carpa saltar, escapar de um laguinho artificial e cair na calçada, debatendo-se, tudo isso em plena São Paulo. "Querida Carpa,/ demorei para compreender/ que ser testemunha de um único salto é o bastante/ para saber a coragem do seu impulso", escreve. O peixe, então, se torna metáfora para a surpresa que nos tira da inércia, a despedida repentina, a coragem do movimento, os encontros inesperados e a própria poesia, que brota numa cidade feita de concreto e nas colagens de Cynthia Gyuru.
Num Bater de Asas
"Por que a Rainha trancou a alma da Princesa num baú de carvalho?", pergunta Marina Colasanti no posfácio de "Num Bater de Asas", livro escrito por Volnei Canônica e ilustrado por Angelo Abu. A dupla cria um conto de fadas com ares clássicos, passado numa terra encantada medieval, onde homens provocam guerras e mortes para se provarem fortes, tomarem de assalto o castelo da família real e forçarem a princesa a se casar com eles. Só que aqui não há príncipes encantados nem guerreiros salvadores –a redenção está na liberdade da própria princesa, alcançada quando sua alma se livra do baú.
A Rosa e o Poeta do Morro
A vida de Cartola é contada neste livro de um jeito poético, a partir da figura de uma rosa, que é imagem importante na obra do sambista, seja em clássicos como "As Rosas Não Falam" e "Verde que Te Quero Rosa", seja no verde e rosa da Estação Primeira de Mangueira, escola que ajudou a fundar. A escritora Janaína de Figueiredo e a ilustradora Paulica Santos recheiam as páginas com referências ao músico, pincelando a consolidação do samba no Brasil e traços autobiográficos de Cartola, do seu surgimento ao ostracismo, da redescoberta de sua obra à morte, já casado com Euzébia, mais conhecida como Zica.
Uns e Outros
João Anzanello Carrascoza se junta a Nelson Cruz neste livro costurado por duplas, num equilíbrio de yin-yang. Nos textos, Carrascoza apresenta contos pautados pela dualidade, às vezes com dois personagens, como um pai e um filho, noutras de forma mais diluída, caso do caleidoscópio de "Uns e Outros", texto que batiza o livro. Já Nelson Cruz transforma a prosa em imagens a partir de objetos do cotidiano, como trenas, filtros de café, pedaços de lata e agulhas de acupuntura. Só que palavras e ilustrações não aparecem juntas no livro, que tem projeto gráfico de Raquel Matsushita. Cada uma delas ocupa uma metade da edição, que se equilibra de forma simétrica entre narrativa verbal e visual.
Abecê do Macunaíma
Lançado em 1928, há 95 anos, "Macunaíma" é um dos pilares da literatura brasileira e fruto ainda de muita discussão. Seria o personagem de Mário de Andrade de fato um herói sem caráter, derrotado pela malandragem, ou seria ele um vencedor, cuja história sobrevive há quase cem anos e joga luz sobre a formação do Brasil? Ou as duas coisas? Em "Abecê do Macunaíma", Claudio Fragata e Ciça Fittipaldi constroem um dicionário macunaímico e tangenciam essas questões, explicando de A a Z quem são os principais personagens, o que querem dizer algumas das falas e quais pontes Mário construiu com o folclore brasileiro, por exemplo.
Zalém e Calunga
Após ganhar o prêmio Jabuti por "A Avó Amarela", em 2019, Júlia Medeiros conta a história da menina Deolinda em "Zalém e Calunga". Os personagens do título, que é ilustrado por Bárbara Quintino, são seres fantásticos, que mais se parecem a baobás e que têm a função de guardar lembranças num baú. É claro que Deolinda resolve entrar nessa caixa e explorá-la, mas isso faz com que a garota percorra um perigoso caminho, que pode fazer com que seja esquecida para sempre. Escrita por Medeiros, a aventura foi criada de forma coletiva pelo grupo mineiro de teatro Grupo de Partida e tem uma playlist para acompanhar a trama.
A Memória do Bosque
É preciso estar atento à obra que a chilena Sara Bertrand está construindo. Depois do premiado "A Mulher da Guarda", chega ao Brasil "A Memória do Bosque", com um texto planejado em dois tempos —de um lado, a conversa entre uma mãe e uma filha que estão em deslocamento, aparentemente de mudança; de outro, uma fábula contada por essa mãe para essa filha, sobre uma princesa que vive num lago e conhece um gato falante. É no bate-papo entre esses dois seres fantásticos que a trama desabrocha e faz emergir temas como a memória, a violência, a morte, mas também a reconstrução e os afetos.
Um Dia
A velha pergunta "o que eu vou ser e fazer quando crescer?" conduz "Um Dia", dos franceses Guillaume Guéraud e Mourrain Sébastien. Na superfície, o livro apresenta um garoto mimado e até malcriado que imagina o futuro, quando não precisará mais obedecer aos pais nem aceitar as restrições da infância. "Um dia, meu pai não vai poder me proibir de comer sobremesa, mesmo se eu tiver feito alguma besteira", diz o menino-narrador. Mas por trás da imaginação e das ilustrações que lembram cartuns, a obra fala de maneira divertida sobre a passagem do tempo e as inversões de papéis que formam a vida e o crescer.
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