Era Outra Vez

Literatura infantojuvenil e outras histórias

Era Outra Vez - Bruno Molinero
Bruno Molinero
Descrição de chapéu Livros

Princesa que beija sapo é desconstruída em livro que brinca com o multiverso

'O Sapo que Não Queria Ser Príncipe', de José Rezende Jr. e Catarina Bessel, quebra as expectativas de um conto de fadas

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Ilustração de Catarina Bessel para o livro

Ilustração de Catarina Bessel para o livro "O Sapo que Não Queria Ser Príncipe" Divulgação

Algumas histórias fazem parte da nossa imaginação há tantos e tantos séculos que bastam alguns poucos elementos para saber o que vai acontecer. Se uma princesa e um sapo se encontram, por exemplo, é óbvio que ela vai dar um beijo no anfíbio, que rapidamente irá virar um encantado príncipe. Certo?

Nem sempre. Há toda uma produção de livros infantis e ilustrados que brincam com a quebra dessas expectativas. É o caso de "Até as Princesas Soltam Pum", de Ilan Brenman e Ionit Zilberman, com título que dispensa maiores explicações. Mas existem vários outros, da "Chapeuzinho Amarelo", de Chico Buarque e Ziraldo, ao lançamento "Loba", de Roberta Malta e Paula Schiavon.

Um dos mais recentes e divertidos a desmontar fábulas, contos de fadas e contos clássicos é "O Sapo que Não Queria Ser Príncipe (E a Moça que Não Estava Nem Aí para Príncipe Encantado)", de José Rezende Jr, ilustrado por Catarina Bessel. Nele, a desgastada história do bicho beijado pela donzela é jogada no liquidificador.

Para começar, o óbvio já está no título: o sapo não quer ser príncipe. Ele vive muito bem, obrigado, na lagoa e se amarra em comer todos os tipos de insetos. Mas, certo dia, devora os bichos de estimação de uma bruxa, que lança um feitiço: assim que uma moça beijá-lo, ele deixará a vida mansa e irá se transformar num membro da família real —que, convenhamos, tem vida ainda mais tranquila, mas o sapo não quer nem saber.

Ilustração de Catarina Bessel para o livro "O Sapo que Não Queria Ser Príncipe"
Personagem de "O Sapo que Não Queria Ser Príncipe", ilustrado por Catarina Bessel - Divulgação

É então que aparece a outra personagem. A garota, que não é uma princesa nem pensa em se relacionar com nenhum tipo de monarca encantado, é feliz da vida solteira. Ela só pensa em estudar, trabalhar e ser dona do próprio nariz. Mas, numa coincidência rocambolesca digna de comédia romântica da Sessão da Tarde, que envolve ainda os pais conservadores da menina, o sapo e a donzela se beijam sem querer.

A partir daí, a fábula vira um caleidoscópio que dialoga com a mania atual da cultura pop de colocar multiversos em qualquer esquina. São apresentados vários possíveis finais. Em um, príncipe e princesa vivem brigados, casados e infelizes para sempre. Em outro, vão chorar para a bruxa desfazer a maldição. E por aí vai. No final, até os leitores são convidados a inventar a sua versão do desfecho.

As diferentes possibilidades aparecem visualmente nas ilustrações de Catarina Bessel, que mergulha nas colagens para criar a história. Elena Ferrante, Hitchcock, Freud, vulcões, cogumelos, latas de Coca-Cola, baratas e outros elementos improváveis se unem pelas páginas.

Mas é claro que o livro não inventou a roda nem é a única releitura da mesma história. O escritor Luiz Ruffato, por exemplo, lançou uma aventura com praticamente os mesmos elementos e quebras em 2014, chamada "A Verdadeira História do Sapo Luiz", seu primeiro livro infantil, reeditado recentemente pela FTD.

O mais curioso, porém, é notar que toda essa ladainha de beijo entre princesa e sapo já é uma transformação por si só. Em 1812, os irmãos Grimm abriram o clássico "Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos" com "O Rei Sapo ou o Henrique de Ferro", que cria as bases dessa fábula, mas também é uma versão, já que foi escrita a partir da coleta de histórias orais da Europa medieval. Ali, não há beijo nenhum.

Na história, uma princesa brinca com uma bola de ouro e deixa o brinquedo cair dentro de um poço. O sapo, então, aparece e propõe uma troca. Se recuperar o objeto, a moça passa a viver com ele no castelo e se torna a sua companheira. Mesmo morrendo de aflição, a menina aceita o trato —mas com segundas intenções. A ideia dela é recuperar a esfera e fugir rapidamente, deixando o sapo para trás.

Quando a personagem faz isso e volta para casa, o ocorrido chega aos ouvidos do rei, que obriga a filha a manter a palavra e aceitar o bicho. Depois de idas e vindas, o sapo acaba se tornando o humano rico e cintilante que todos conhecemos. Só que não é um beijo que engatilha a transformação.

A mágica ocorre após um acesso de raiva. Quando o casal sobe para o quarto, a princesa agarra o animal e o arremessa com fúria contra a parede. É essa violência, e não o famoso gesto que mistura carinho e nojo, que converte o sapo num belo príncipe.

O Sapo que Não Queria Ser Príncipe

  • Preço R$ 59,90 (54 págs.)
  • Autoria José Rezende Jr.
  • Editora Gato Leitor
  • Ilustradora Catarina Bessel

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