Um tema caro para as igrejas e que tem sido denunciado com certa frequência é o abuso cometido pelas lideranças. Se por uma lado há um temor de expor a violência e "manchar" a reputação do local, também há um costume de tratar o assunto somente na esfera espiritual, gerando o acobertamento no lugar da denúncia.
"Quando uma igreja decide lidar com crimes sexuais de pastores ou membros apenas internamente, incorrem em grave pecado contra as vítimas e contra aqueles que serão vitimados futuramente pelo criminoso impune", afirma o pastor Yago Martins, 32, no livro "Igrejas Que Calam Mulheres" (Editora Mundo Cristão).
Em seu livro, o autor do canal Dois Dedos de Teologia descreve casos de violência e machismo dentro dos templos e denuncia o que chama de interpretações distorcidas da Bíblia. "O encobrimento não apenas perpetua o sofrimento das vítimas, mas também cria um ambiente propício para a repetição dos abusos", pontua.
Para se ter uma ideia do tamanho do problema, em "Uma Igreja sem Voz", a teóloga e pesquisadora Valéria Vilhena mostra que 30% das mulheres que relataram sofrer algum tipo de violência doméstica são evangélicas. Segundo a autora, além do sofrimento, muitas carregam culpa ao denunciar seus companheiros agressores "por estarem traindo seu pastor, sua igreja e o próprio Deus". Sua pesquisa mostra ainda que a denúncia é comumente entendida como uma fraqueza, ou falta de fé na promessa divina de conversão do cônjuge.
Para Martins, a resposta de muitas igrejas deixa a desejar quando os escândalos chegam aos telhados. "A reputação da igreja melhoraria se as pessoas soubessem que nós estamos acolhendo as vítimas e denunciando os abusadores".
Segundo o pastor batista, o que acaba com a imagem de uma igreja não é a existência de casos de abuso, mas o retorno de abusadores aos púlpitos. "Se os líderes que cometem abuso, violência ou qualquer tipo de importunação sexual fossem excluídos do ministério em definitivo, a gente conseguiria dar uma resposta muito mais forte, muito maior do que se esse tipo de coisa nunca acontecesse", afirma.
Ele defende acolher pessoas genuinamente arrependidas, mas entende que o ministério não pode ser mais desenvolvido por quem tem esse perfil, afinal, a Bíblia diz que quem é violento ou tem má reputação não tem perfil para liderar uma igreja.
O autor também cita a "cultura da performance" como outro erro. "Hoje, pastores são colocados lá [nos púlpitos] pelo simples fato de conseguirem falar bem. Se você não tem tanta integridade, mas é um ótimo comunicador e atrai multidões com seu discurso, dão um jeito de colocá-lo. E isso é uma coisa que destrói a integridade de qualquer ministério".
Papel das Mulheres
Não há um consenso entre os evangélicos sobre a atuação das mulheres dentro da igreja. Enquanto algumas denominações limitam a participação feminina, outras aceitam e até consagram pastoras e bispas. Também não é raro acharmos ministérios liderados somente por mulheres.
Segundo Yago Martins, o livro "Igrejas Que Calam Mulheres" foi criado para tentar fornecer uma resposta conservadora para problemas conservadores. Ele segue a visão mais tradicional que coloca o serviço episcopal como eminentemente masculino. "Não acredito em pastorado feminino, mas acredito muito em ministério feminino", afirma.
"Infelizmente, muitas igrejas acabam confundindo a ideia de que mulheres não podem ser pastoras com mulheres não podem ser nada além de mães e donas de casa", diz.
Sujeição
A ideia de sujeição não deveria ser estranha para quem crê na Bíblia, segundo Yago, pois sujeitar-se ao outro é um dever de todo cristão. Ele explica que a fala Paulo na Bíblia está dentro de um contexto de sacrifício. "Quem não quer se sacrificar ou se submeter a alguém que está constantemente se sacrificando por você?",
"E essa é uma dança muito bela do casamento, em que cada um está se doando ao outro, se entregando ao outro e colocando o outro na frente. Cada um do seu modo. O homem como um pastor, que se sacrifica como Cristo e a mulher como a igreja, que segue a liderança do Cristo. E ambos encontrando amor e graça no relacionamento completo".
Ele reconhece, porém, que a submissão é estranha para a cultura contemporânea. "Hoje, você precisa ter papéis intercambiáveis para que haja liberdade e felicidade. Mas nas Escrituras você tem papéis definidos. Filhos são sujeitos aos pais, empregados a seus patrões, membros da igreja à sua liderança. Nós nos sujeitamos mutuamente em amor, respeito e misericórdia, porque consideramos os outros superiores a nós mesmos, portanto ser submisso não é "coisa de mulher", é coisa de crente".
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