Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

'Independência do Judiciário é garantia contra intervenções'

Tensões são normais, diz novo presidente do TJ-SC, João Henrique Blasi

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O novo presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, desembargador João Henrique Blasi, entende que a independência do Judiciário é a garantia constitucional "para salvaguardar a Justiça contra intervenções de qualquer ordem, venham de onde vierem".

Nesta entrevista, Blasi comenta as investidas do governo Bolsonaro contra o Judiciário e as interferências dos militares nesse Poder.

Para o presidente, "o enfrentamento ideológico leva a manifestações absurdas, a exemplo do apoio de ideologias indefensáveis, como o nazismo". Sua previsão é de que a situação se torne ainda mais aguda com a proximidade das eleições. Mas acredita que "a desconfiança suscitada por alguns em torno da sua credibilidade em nada comprometerá o êxito do processo eleitoral".

Desembargador João Henrique Blasi, novo presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Desembargador João Henrique Blasi, novo presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina - Divulgação/TJ-SC

Blasi foi advogado militante, deputado estadual em quatro mandatos, secretário de Estado da Justiça e Cidadania e da Segurança Pública. Tomou posse no cargo de desembargador em 2007, ingressando na magistratura pelo Quinto Constitucional.

Ele investirá em varas especializadas para otimizar o atendimento. Há planos de se estabelecer uma única vara estadual de execução penal. O mesmo mecanismo ocorreria nas execuções fiscais.

O orçamento do Judiciário catarinense para 2022 é de R$ 2,8 bilhões. O tribunal está presente em 111 comarcas nos 295 municípios de Santa Catarina. Conta com 10,4 mil colaboradores, 444 juízes e 91 desembargadores.

A entrevista foi concedida por e-mail.

Como o senhor avalia as investidas do governo Bolsonaro contra o Judiciário?

João Henrique Blasi - As tensões entre os Poderes são próprias da democracia e do sistema de pesos e contrapesos, intensificando-se em determinados momentos históricos. Situações análogas vêm ocorrendo contemporaneamente em países como a Hungria, por exemplo. O ideal, contudo, é que os Poderes atuem de modo independente e harmônico, conduzindo-se com respeito recíproco e mantendo diálogos institucionais republicanos voltados para a consecução dos fins do Estado.

Qual a sua expectativa em relação às eleições, diante das ameaças de novos questionamentos sobre as urnas eletrônicas?

João Henrique Blasi - As eleições têm transcorrido normalmente no país, sobretudo depois que as urnas eletrônicas passaram a ser utilizadas, em 1996. A desconfiança suscitada por alguns em torno da sua credibilidade em nada comprometerá o êxito do processo eleitoral, tampouco servirá para descredibilizá-lo.

Na sua opinião, os militares devem interferir em atividades e decisões do Poder Judiciário?

João Henrique Blasi - Em rigor, não se trata de uma questão opinativa. A independência do Poder Judiciário é um axioma constitucional vetorizado para salvaguardar a Justiça contra intervenções de qualquer ordem, venham de onde vierem.

Como será útil ao Judiciário catarinense sua experiência, com a trajetória no Legislativo e no Executivo?

João Henrique Blasi - As vivências obtidas nas passagens pelo Parlamento e pelo Executivo permitem uma visão sistêmica do Estado, acrescentando ao saber teórico os ganhos da experiência prática. Além disso, podem contribuir para a efetivação de medidas de governança que passam pelas relações interinstitucionais.

Como avalia as críticas de juízes de carreira, ao dizerem que os magistrados oriundos do Quinto não prestam concurso, desconhecem a realidade das comarcas e alcançam muito rápido cargos na cúpula dos tribunais?

João Henrique Blasi - Honestamente, não vejo aqui essa rejeição aos oriundos do quinto constitucional. E registro que, pela primeira vez na história do Judiciário catarinense, a nossa Associação de Magistrados realizou entre seus associados uma eleição simulada, poucos dias antes do pleito para a composição do Corpo Diretivo do Tribunal, na qual eu, egresso do quinto constitucional, obtive cerca de 54% dos votos, de modo que, se existe esse tipo de reserva, ele sequer chega a ser percebido e muito menos interfere no nosso cotidiano.

Como o tribunal pretende retomar o trabalho presencial, preservando magistrados, servidores e advogados?

João Henrique Blasi - Nosso tribunal, além de seguir rigorosamente todos os protocolos de segurança, fornece aos seus magistrados e servidores máscaras N95 e álcool gel. E mais: estamos planejando um retorno seguro, que será gradual e observará o potencial de risco de cada região: quanto menor o risco um percentual maior de servidores será liberado para o trabalho presencial. E, sem dúvida, um modelo laboral híbrido deverá ser a tendência.

Conhecendo a visão do Legislativo e do Executivo, como vê as críticas às férias de 60 dias do Judiciário?

João Henrique Blasi - Os membros do Judiciário são agentes públicos que exercem relevante missão na sociedade, deparando-se, no Brasil, com índices elevadíssimos de judicialização. A carga de serviço, a responsabilidade da função, a sua indispensabilidade e os dramas humanos com os quais os Juízes lidam diuturnamente são elementos justificativos do regime jurídico que lhes é destinado.

Tendo atuado como secretário de Segurança, como avalia a execução de penas em contêineres, solução aprovada pelo STJ e que foi defendida pelo desembargador Rodrigo Collaço [ex-presidente do TJ-SC]?

João Henrique Blasi - É comum que disposições constitucionais e legais encontrem dificuldades de concretização no dia a dia. Isso ocorre, com alguma frequência, na chamada Execução Penal, atividade que envolve atores do Executivo e do Judiciário. Descabe falar sobre situações concretas ou processos judiciais pretéritos ou em curso. Entretanto devo afirmar que as determinações constitucionais e legais garantidoras de direitos, a qualquer pessoa - e aos presos também -, devem ser aplicadas na maior extensão possível.

Quais foram as lições e os desdobramentos do episódio que constrangeu Mariana Ferrer, vítima de estupro, diante da aparente omissão de um juiz e de um procurador numa audiência em Santa Catarina?

João Henrique Blasi - É importante ressaltar que o público em geral teve acesso a um vídeo editado, que representa uma pequena parte das mais de duas horas de audiência. Lamentavelmente, não foi mostrado que o juiz fez cerca de trinta intervenções para coibir excessos. Trata-se, no entanto, de matéria jurisdicional, que tramita em segredo de justiça, motivo pelo qual descabem maiores comentários. Mas vale destacar que, como efeito positivo desse episódio, o Congresso Nacional inseriu no Código de Processo Penal o Art. 400-A, impedindo que, na audiência de instrução e julgamento, sejam formuladas perguntas ofensivas à dignidade da vítima ou de testemunhas.

O Sr. disputou a presidência com a desembargadora Soraya Nunes Lins, ex-corregedora. Qual é a presença de mulheres em cargos de comando no TJ-SC? Qual é o percentual de magistradas no Judiciário catarinense?

João Henrique Blasi - A representatividade feminina no âmbito da Justiça catarinense vem aumentando nos últimos anos. Hoje, 34% dos nossos magistrados são mulheres. Nos últimos 10 anos, a média de mulheres aprovadas no concurso público de ingresso na magistratura é de quase 50%. Já entre os Servidores, cerca de 60% são do sexo feminino, sendo que as mulheres ocupam 50% dos cargos de chefia ou de coordenadoria. Na alta cúpula diretiva, o relevante cargo de Corregedora-Geral da Justiça é ocupado pela Desembargadora Denise Volpato.

Um dos primeiros posts deste blog, há 14 anos, tratou de pesquisa com magistrados do TJ-SC sobre as condições de trabalho e de saúde no tribunal. Essa experiência foi repetida? Foi reproduzida em outros tribunais? Há algum novo projeto semelhante?

João Henrique Blasi - Essa experiência não só foi repetida como tornou-se referência para tribunais do país. E, em 15 de outubro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. 207, que instituiu a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário. Em seu art. 13 ela determina que os tribunais encaminhem anualmente ao CNJ os dados estatísticos sobre a saúde para fins de elaboração de relatório e de acompanhamento.

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