Dois fatos aparentemente distantes se entrelaçaram na semana que passou. As declarações do ministro Dias Toffoli em defesa do então procurador-geral da República Augusto Aras coincidiram com a operação de busca e apreensão cujo alvo foi o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, suspeito de ser um dos articuladores do ataque golpista de 8 de janeiro último.
Toffoli sugeriu que "a paciência, a discrição e a força do silêncio" de Aras durante sua gestão teriam evitado a ruptura institucional no país. Sem Aras, disse, "não teríamos, talvez, democracia".
Aras não foi apenas silencioso. Foi omisso. A inércia da Procuradoria-Geral da República estimulou os desmandos do bolsonarismo.
O ministro talvez pretenda reduzir sua participação nos eventos que levaram o país ao desgoverno Bolsonaro. Toffoli foi responsável por abrir as portas do Supremo Tribunal Federal a generais.
Aras disse acreditar na democracia militar ainda quando flertava com o candidato Jair Bolsonaro. Ajudou a pavimentar a eleição do capitão.
Escolhido PGR, sem consulta aos pares [driblou a lista tríplice], Aras militarizou o Ministério Público.
Ofendeu procuradores, perseguiu adversários. Foi insensível aos protestos e representações contra os abusos dos bolsonaristas.
A imagem do general reformado sorridente, em trajes civis, ao lado da foto em que, fardado, aparenta dar voz de comando, queixo erguido e peito estufado, talvez ilustre o conceito mais amplo.
O militarismo não convive com a democracia. Não há urnas e nem eleições. A base do sistema militar é a rigorosa obediência à hierarquia.
Omissão na pandemia
Em carta aberta, 27 subprocuradores-gerais criticaram a passividade de Aras diante dos ataques ao STF e ao TSE. O PGR foi tolerante com o discurso do ódio e o descaso com os mortos da pandemia.
Mandou arquivar memorando em que cinco subprocuradores pediam que recomendasse a Bolsonaro evitar manifestações contra a política do Ministério da Saúde no combate ao coronavírus. Poupou Bolsonaro e criticou os signatários do memorando.
O general Ridauto Lucio Fernandes exerceu o cargo de assessor do Departamento de Logística em Saúde, órgão do Ministério da Saúde, na gestão do incompetente general Eduardo Pazuello.
Oito ex-procuradores gerais repeliram as insinuações sobre fraudes nas urnas eletrônicas. Assinaram a manifestação os ex-PGRs Raquel Dodge, Rodrigo Janot, Roberto Gurgel, Antonio Fernando, Inocêncio Mártires, Sepúlveda Pertence, Aristides Junqueira e Claudio Fonteles. Aras, nesse caso, silenciou.
Obras em campanha
Em agosto de 2021, Tófolli e dois subalternos de Aras no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), Carlos Vinicius Alves Ribeiro e Otávio Luiz Rodrigues Jr., organizaram a obra "Estado, Direito e Democracia - Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Augusto Aras".
Registramos neste espaço:
"Talvez por não se saber o que o homenageado realmente pensa sobre esses temas, e diante das omissões no primeiro mandato, um grupo de renomados juristas, admiradores e subalternos decidiu reunir em livro reflexões sobre 'os assuntos mais caros ao professor Augusto Aras.'"
Há artigos que poderiam ser escritos e publicados em qualquer coletânea, e foram dedicados a Aras.
Ao final do segundo mandato Aras imitou Toffoli, que criou uma medalha quando encerrou sua gestão na presidência no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O PGR fez auto-homenagem. Propôs a criação de uma comenda em outubro de 2022 e, na condição de chanceler, foi condecorado com a Grã-Cruz.
Dias Toffoli também recebeu a comenda.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.