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Tendência de 'desinfluenciar' no TikTok reflete sobre consumismo

Busca por autenticidade e pensamento crítico guiam vídeos que repensam hábitos de consumo

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São Paulo

Você pode se surpreender se abrir o TikTok hoje. Para além das dancinhas, vídeos de limpeza, organização e "arrume-se comigo", influenciadores têm utilizado a plataforma para o que chamam de "desinfluenciar."

Parece contraditório, mas a prática virou tendência. A hashtag #deinfluencing acumula mais de 322 milhões de visualizações e chega a quase 3 milhões na versão traduzida para o português: #desinfluenciando.

Nos vídeos, criadores falam sobre compras que fizeram e não valeram a pena, como itens de maquiagem amplamente divulgados no aplicativo, e questionam o consumo desenfreado incentivado pela plataforma. Um dos vídeos em inglês questiona: "você realmente precisa de tantas garrafas d’água? O propósito não é parar de consumir?"

Carol Passos, publicitária de 24 anos, foi uma dessas pessoas. Após consultar que tinha muitas roupas e, paradoxalmente, nada para vestir, além de uma fatura de cartão de crédito em ritmo de crescimento assustador, ela se inspirou (ou influenciou, caso prefira) em Joanna Moura, do blog UmAnoSemZara, a ficar um ano sem comprar nenhuma peça de roupa.

"Percebi que as compras que eu chamava de recompensas eram na verdade flagelos. Pensei: ‘caramba, tenho um bom salário, eu sou nova, mas eu simplesmente não consigo guardar nada.’ Não tinha dinheiro para fazer planos porque eu estava gastando com coisas que eu nem sabia o que eram", conta.

Para não desistir no meio do caminho, ela traçou uma estratégia: criou um perfil no TikTok para documentar o processo e para que a pressão dos espectadores a motivasse. "Eu morro de medo de sair da linha. Fico me cobrando, tenho que me comportar porque tem muita gente olhando", diz.

E deu certo. O segundo vídeo da conta "Diário de uma ex-consumista" viralizou e ela decidiu criar um grupo de Telegram com as espectadoras que também quiseram embarcar na aventura e repensar seus hábitos de consumo. Já são 752 membros até a redação desta reportagem.

"Muitas pessoas contam que veem no aplicativo meninas que compram uma Chanel por dia, que fazem ‘unboxing’ bilionários, então elas acabam achando que a realidade diferente é só a delas que estão é ali sofrendo para pagar a parcela do fim do mês, sabe?", explica Passos.

A professora e pesquisadora Issaaf Karhawi comenta as relações entre público e audiência. "A gente se relaciona com influenciadores digitais por meio de dois caminhos: identificação e projeção. A identificação tem a ver com olhar para o influenciador e reconhecer nele as suas próprias características, considerá-lo quase um melhor amigo. A projeção tem a ver com uma relação aspiracional, aquela em que você deseja ser como aquela pessoa ou ter aqueles bens ou fazer aquelas viagens".

E a projeção pode ser um caminho fadado à frustração, uma vez que a proximidade simulada pelas redes pode não ser tão real assim. "A pandemia escancarou essa sensação de distanciamento e isso vem se agravando porque a gente, como público, têm desenvolvido um certo letramento digital, entendido como é que as dinâmicas na rede funcionam, quais são os modelos de negócios influenciadores, como eles ganham dinheiro", explica Karhawi.

A relação com os influenciadores digitais, que começou com trocas baseadas em compartilhamento e sociabilidade, como no tempo dos blogs, mudou. Com a profissionalização, essas trocas passaram a ser transações comerciais. E é aí que entra o cansaço com conteúdos do tipo unboxing —quando um influenciador revela presentes que recebeu para sua audiência —de produtos que você "precisa" ter.

A pressão de conteúdos que tentam vender algo foi o que motivou Ana Belli, 24, a fazer o desafio de ficar 365 dias sem comprar roupas. "A gente tá sempre comprando o que está em alta e aí parece que a gente nunca tem roupa. As redes sociais estão o tempo todo tentando vender uma roupa nova, uma ideia nova. O ciclo de moda do TikTok, principalmente, é muito rápido", conta.

A mesma percepção passou por Carol Passos. "O TikTok é um lugar de conversão. As pessoas, as marcas, estão ali querendo fazer você comprar. Às vezes o produto até passa despercebido para que as pessoas comprem. Sua atenção é a mercadoria da plataforma; se você não paga, você é o produto", define.

O movimento de se afastar do ritmo frenético das redes e passar a falar também sobre o que não vale a pena ou como as pessoas se relacionam com o hábito de consumir é visto por Issaaf como uma busca por autenticidade. "Quando eu digo ‘não gostei muito disso, eu não recomendo’ parece que eu revelo algo mais autêntico porque não estou tentando te vender nada."

Há 3 meses no desafio, Ana Belli já percebe mudanças em sua vida. "Não pensar em comprar alguma coisa acabou me dando muito tempo livre. Consegui cumprir metas, ler mais, fazer coisas que eu achei que nunca ia conseguir fazer. Me fez refletir sobre o modo que a gente tá consumindo, como isso afeta as nossas vidas, relacionamentos, tudo. Faz tanta diferença na nossa vida e claro que na conta bancária também, né?"

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