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Influenciador ensina tupi nas redes e colabora para revitalização da língua indígena

Com o perfil @tupinizando, Mateus Oliveira compartilha regras, ideias e curiosidades do idioma

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Belo Horizonte

O estudo do tupi antigo, principal língua usada pelos povos indígenas durante as primeiras décadas de colonização portuguesa no Brasil, fez com que Mateus Oliveira, 21, passasse a enxergar o mundo de "forma diferente".

Já que o sistema linguístico que rege a nossa fala, pensamento e comunicação influencia no modo como apreendemos ideias e práticas, o estudo de outra língua, criada a partir de outros contextos, pode possibilitar novas interpretações para conceitos até então universais.

No tupi, como exemplo dessa mudança de paradigma, existe o verbo "rekó", comumente traduzido para "ter". Seu significado, contudo, como explica Mateus Oliveira no perfil criado para divulgar a língua, @tupinizando, abrange uma significativa diferença para a ideia de "posse".

Como ele conta ao #Hashtag, a mesma ideia está implícita nas duas classes de nomes, coisas e objetos no tupi, divididas em "possuíveis" e "não possuíveis".

"Na classe dos possuíveis, estão objetos culturais, como ferramentas. Você pode possuir um machado, então é correto falar ‘meu machado’", Mateus explica. "Na classe dos não possuíves, estão justamente objetos da natureza. Por exemplo, por mais que gramaticalmente fosse possível, você não pode falar ‘meu mar’."

Nessa lógica, ele conclui, um elemento da natureza só poderia ser entendido como posse quando ele se transforma num objeto cultural, como uma pedra que foi modificada para ser um utensílio.

O tupi para Mateus, estudante de filosofia da Universidade São Francisco (USF), surgiu como uma espécie de hobbie de pandemia. Em setembro de 2020, enquanto viralizavam nas redes sociais receitas de pão caseiro entre pessoas confinadas, Matheus mergulhou na bibliografia e nas aulas disponibilizadas pela USP (Universidade de São Paulo) de Eduardo Navarro, lexicógrafo e professor de tupi antigo e nheengatu na instituição, para aprender a língua indígena.

Nascido em Atibaia, interior de São Paulo, e residente de Nazaré, na mesma região, Mateus compartilha da mesma ascendência indígena que está na árvore genealógica da maioria dos brasileiros, composta nesse entrecruzamento violento de raças. Num país em que quase 300 línguas indígenas são atualmente faladas, mais que buscar uma ancestralidade direta, o influenciador digital se viu diante de um dever de aprender ao menos uma, a fim de driblar um pouco do desconhecimento corrente.

"Porque é muito fácil pra gente aprender a falar inglês ou espanhol —você consegue achar na internet. Só que é muito difícil achar conteúdo sobre as línguas originárias", ele diz. "Na época, eu nem tinha muito a intenção de compartilhar, era algo pessoal mesmo."

Para além desse senso de dever, existia também a curiosidade para entender as raízes de alguns termos da língua brasileira, com diversas palavras que derivam do tupi. "É mais fácil conhecer as palavras de origem europeia porque têm muito mais documentação e registro, então as palavras que são de origem indígena ou africana acabam ficando em segundo plano", Mateus conta.

Depois de dois anos de estudo, surge o perfil @tupinizando, página nas redes sociais onde Matheus compartilha regras, concepções e curiosidades do tupi antigo. Compartilhar esse conhecimento pela internet é também um modo de manter o legado da amiga de estudos, Amanda Îaûara, do povo Ka'aeté, que mantinha a página @travestitupi. Ela acabou falecendo precocemente. "Ficou ali uma lacuna, e não aparecia ninguém para preencher. Esse trabalho deveria ser continuado."

"Eu fico muito feliz de ver a amplitude que esse trabalho ganhou", ele celebra. "Com a página crescendo, eu ainda consigo ter a oportunidade de amplificar as vozes de pessoas que estão, neste momento, trabalhando na revitalização do idioma."

Já que os falantes do tupi antigo habitavam a costa brasileira no início da ocupação portuguesa, nos primeiros anos do século 16, eles acabaram sendo aculturados de forma muito repentina. Por isso existe o esforço para fazer com que a língua volte a ser falada entre os povos indígenas atuais no dia a dia.

O processo é semelhante ao que ocorreu com o hebraico. Restrito durante milênios a cerimônias ou ritos religiosos, o idioma até então considerado morto foi recuperado por Israel durante o último século, tornando-se hoje a língua oficial do país, falada por mais de 9 milhões de pessoas.

Para a revitalização do tupi, estudiosos se baseiam nos primeiros registros escritos da língua, datados do início da colonização, e especialmente seis cartas escritas por indígenas potiguaras do século 17, traduzidas por Eduardo Navarro em 2021.

"É uma forma de recuperar um pouco da nossa identidade e de nossas especificidades", acredita o influencer.

Nesse contexto estão também as aulas de tupi antigo que Mateus começou a ministrar no início do mês, de forma online. "Por mais que eu não saiba o quão fluente vou conseguir fazer meus alunos ficarem, pelo menos eu posso dar a certeza de que eles vão conhecer melhor essas raízes de origem tupi que a gente nem percebe."

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