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Imagens de mortos na guerra desafiam Redações de jornais

Uso político dos registros e restrições a jornalistas dificultam decisões sobre narrativa visual do conflito entre Israel e Hamas

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Michael M. Grynbaum Katie Robertson
The New York Times

Fotografias horríveis de crianças palestinas mortas em ataques de foguetes e bebês israelenses assassinados por terroristas. Imagens digitalmente alteradas que se espalham pelas redes sociais antes de poderem ser verificadas. Acusações —rejeitadas por diversos veículos— de que os fotojornalistas tinham conhecimento prévio do ataque surpresa do Hamas em 7 de outubro.

A narrativa visual da guerra entre Israel e Hamas se tornou um estudo de caso perturbador da era da desinformação, onde fotografias e o próprio ofício do fotojornalismo são utilizados como armas por ambos os lados de um conflito altamente carregado.

Membros da imprensa internacional em uma colina em Sderot, no sul de Israel, com vista para a Faixa de Gaza; há uma fila de tripés com câmeras sobre um chão de terra, direcionados para uma torre de transmissão de energia e ao lado de um jornalista de costas com colete e capacete
Membros da imprensa internacional em uma colina em Sderot, no sul de Israel, com vista para a Faixa de Gaza - Tamir Kalifa - 28.out.23/The New York Times

Para as Redações nos Estados Unidos e na Europa, a questão de quais imagens publicar raramente foi tão complexa.

"Em toda guerra, há uma guerra de narrativas", disse Jonathan Levy, editor-executivo do canal britânico Sky News. "Você precisa estar realmente atento, não apenas ao potencial dano ao público de ser exposto a algumas dessas imagens, mas também a como você as gerencia."

Em entrevistas, editores de jornais, emissoras e agências de notícias disseram que dedicaram inúmeras horas nas últimas semanas ao que muitos disseram ser, em última análise, uma escolha delicada: decidir o que seu público viu e ouviu sobre a guerra. Entre os fatores está o quanto de horror um espectador ou leitor pode tolerar e se uma imagem sensacionaliza ou banaliza a violência.

Os veículos de notícias também sentem a responsabilidade com as vítimas e suas famílias, que podem não estar cientes de que um parente foi morto ou gravemente ferido.

"Você quer ter a visão mais realista possível do que está acontecendo no terreno; você quer mostrar as imagens", disse Greg Headen, responsável pela cobertura nacional e internacional na Fox News. "Em muitos casos, porém, não podemos. Algumas das imagens que vimos são tão horríveis que sequer podem ser descritas na televisão."

Algumas imagens são tão traumáticas, acrescentou Headen, que exibi-las tornaria os espectadores insensíveis às palavras faladas acompanhando o vídeo: "A questão é que eles não vão ouvir uma palavra que o repórter disser."

A fotografia de guerra resultou em algumas das imagens mais marcantes de conflitos globais, desde a "Raising the Flag on Iwo Jima" [em que fuzileiros americanos fincaram uma bandeira dos EUA no ponto mais alto da ilha de Iwo Jima] na Segunda Guerra Mundial até uma menina vietnamita gritando queimada por napalm.

Esse poder visceral é o motivo pelo qual as autoridades israelenses e do Hamas, juntamente com seus apoiadores, usaram as redes sociais e outros canais para circular imagens destinadas a despertar simpatia pública para o seu lado.

Ao decidir se devem amplificar tais imagens, as organizações de notícias avaliam sua relevância jornalística usando critérios editoriais semelhantes aos aplicados aos fatos e reportagens escritas. Os editores podem considerar as motivações da fonte da imagem e se ela contribui para uma representação equilibrada dos eventos.

"Normalmente, evitamos publicar imagens distribuídas por qualquer tipo de agência estatal, porque não podemos verificar a integridade jornalística desses tipos de imagens", disse Meaghan Looram, diretora de fotografia do The New York Times. "Também estamos sempre muito conscientes de que qualquer estado ou governo tem uma agenda nas imagens que estão distribuindo."

Os obstáculos logísticos de cobrir esse conflito em particular também criaram desafios. Jornalistas internacionais têm acesso limitado à Faixa de Gaza, e os veículos de notícias têm dependido em grande parte de fotógrafos freelancers locais já presentes no local.

O Hamas controla Gaza e impõe restrições rigorosas ao que os repórteres podem cobrir. O exército israelense escoltou alguns jornalistas estrangeiros até Gaza, mas pediu para revisar quaisquer fotos e imagens antes da publicação, o que Levy chamou de "uma severa proibição".

Alguns veículos de notícias concordaram com esses termos para fornecer vislumbres em primeira mão da situação dentro de Gaza.

Onze grandes organizações de notícias, incluindo o Times, escreveram para autoridades israelenses e egípcias nesta segunda (13), solicitando formalmente acesso ampliado a Gaza para seus jornalistas.

Looram disse que encontrou uma enxurrada de imagens e vídeos postados nas redes sociais, mas que o Times provavelmente não publicaria algo a menos que viesse de uma fonte conhecida e confiável.

"Há muitos atores tentando disseminar desinformação por meio de imagens, então isso apresenta uma matriz muito complexa e complicada que não é simples de forma alguma", disse ela. "Nossos editores de fotos, nossos editores de vídeo e jornalistas no local estão fazendo o melhor possível para representar adequadamente e com precisão o máximo do que está acontecendo."

Como em qualquer guerra, a questão do que fazer com imagens intensamente violentas tem gerado debates quase diários nos veículos. Rickey Rogers, editor global de imagens da Reuters, disse que um grupo de três editores principais decide se uma fotografia é respeitosa com as vítimas e se ela contribui para o entendimento do público sobre o conflito.

Se as vítimas forem crianças, a Reuters busca o consentimento dos pais ou responsáveis legais para usar a imagem. Às vezes, é impossível obter o consentimento e a agência pode decidir publicar mesmo assim se determinar que a foto é de incontestável interesse público.

"Existem muitas fotos que são visualmente fortes, a ponto de considerarmos quase impossíveis de publicar", disse Rogers. Ele deu um exemplo de uma fotografia de uma criança ferida com um pedaço de pele pendurado em seu braço, vítima do ataque ao Hospital Al-Shifa em Gaza. A Reuters optou por não publicar essa imagem, mas a agência publicou uma foto diferente da mesma criança que não mostrava o ferimento.

Outros veículos de comunicação, incluindo a seção de Opinião do Times, publicaram versões recortadas de certas fotografias, às vezes fornecendo um link para a imagem não censurada para os leitores que desejam vê-la.

A decisão de uma organização de notícias de publicar uma imagem particularmente chocante pode ter grandes consequências. A fotografia de 1972 de Kim Phuc Phan Thi, a criança vietnamita gritando, foi publicada nas primeiras páginas de muitos jornais americanos, incluindo o Times, logo após ter sido tirada por Nick Ut, um fotógrafo da Associated Press.

Mas a fotografia agora famosa quase foi descartada. Horst Faas, o editor da cobertura da AP em Saigon na época, foi a pessoa que teve que decidir se distribuiria a imagem na rede internacional da agência de notícias.

"A menina estava obviamente nua, e uma das regras era que nós, na AP, não apresentamos fotos nuas, especialmente de meninas em idade de puberdade", lembrou Faas mais tarde. Mas, impressionado pelo poder da foto, ele decidiu anular essa diretriz e publicar mesmo assim. A imagem, posteriormente intitulada "The Terror of War" ["O Terror da Guerra"], ganhou o Prêmio Pulitzer de 1973 na categoria de fotografia de notícias em destaque.

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