Pitaco Cultural

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Pitaco Cultural - Mariana Agunzi
Mariana Agunzi

Com guru que lembra Olavo de Carvalho, peça fala da ascensão do extremismo no país

Em cartaz em São Paulo, 'Dr. Anti' usa humor ácido e violência para abordar conservadorismo político

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São Paulo

Um jantar em uma casa de classe alta, aparentemente comum, suscita discussões políticas e acaba em um desfecho brutal. Seis pessoas compõem a mesa e, ao aguardar o prato principal, começam a elucubrar sobre a salada estar envenenada.

O pseudo-cientista Dr. Anti aborda os convidados com a teoria da "hidrotecnologia". Em pouco tempo, o discurso do homem (qualquer semelhança com Olavo de Carvalho não é mera coincidência!) o alça a líder daquela ceia (ou seita?).

Ele propõe, então, um pacto de sangue para sanar a crise do país. Bárbara, sua seguidora mais fiel, reproduz seus ensinamentos sem questionar.

Três personagens, um homem e duas mulheres, tomam um drinque com o rosto sujo de sangue
Cena da peça "Dr. Anti", da Cia. Extemporânea - Ligia Jardim

Se as ideias parecem desconexas, em "Dr. Anti", novo trabalho da Cia. Extemporânea de teatro, elas se encaixam e se moldam para mostrar, com humor tórrido, a ascensão da extrema-direita no país.

A peça é uma comédia que beira o terror, e até nesse aspecto é alusiva –quantas vezes, entre teorias conspiratórias da terraplana e dos chips na vacina, nos perguntamos se era melhor rir do que chorar?

Os diálogos beiram o absurdo, mas são irônicos. Com eles, "Dr. Anti" perpassa períodos decisivos na política do país na última década: as manifestações de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff, a ascensão do MBL, a chegada dos militares ao poder.

Seus personagens levam ao palco figuras que parecem absortas por uma lavagem cerebral. Que não se importam de dar um tiro na própria cabeça se assim mandadas, de repetir teorias desconexas ou de seguir um guru negacionista que mata no copo de leite –símbolo da supremacia branca– a sua sede.

A montagem evoca risos, choque e reflexões e deixa a violência evidente. Ao sujar de sangue seus personagens, a peça remete à violência política crescente nos últimos anos no Brasil.

"Dr. Anti" é sagaz, indigesta e ácida. E por isso vale ser vista.

Mulher segura uma arma e aponta para dois homens, que estão discutindo
Cena da peça 'Dr. Anti', da Cia. Extemporânea - Ligia Jardim

*

"O que a gente precisa para curar a doença profunda deste país é um pacto. Um pacto completo, total, sem limites, sem volta, absoluto. Esse pacto que vai curar a doença nacional é um pacto entre a própria doença e a cura. Porque a gente sabe que a gente é a doença, a gente sabe que a gente é o câncer. Mas no caso do Brasil, o câncer é também a cura. A nossa doença é tão profunda que a cura para ela só pode vir pelo câncer. Então, a gente tem que ser o câncer para poder ser também a cura." [trecho da montagem "Dr. Anti"]

*

Dr. Anti. Sesc Ipiranga. R. Bom Pastor, 822, Ipiranga. Sextas e sábados, às 21h. Domingos, às 18h. Até 11/12. Ingresso: 40 (inteira).

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