Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

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Descrição de chapéu Vida Pública

Redes profissionais e discriminação no Twitter

Experimento mostra que pessoas brancas, mulheres e alunos de faculdades de prestígio são os grupos que mais recebem "seguidas"

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Pedro C. Sant’Anna

É mestre em economia pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV); membro da REPP (Rede de Economistas Pretas e Pretos) e interessado em microeconomia aplicada e economia comportamental

Para se destacar profissionalmente, nem sempre basta talento, boas ideias ou ser esforçado. Em muitos casos, ter acesso a boas redes de contato é determinante para o sucesso profissional.

No entanto, as pessoas têm acesso a diferentes redes de contatos. Isso pode ocorrer por diversos motivos, mas uma causa plausível é discriminação: será que pessoas pertencentes a certos grupos —negros, mulheres, formandos em faculdades de menor prestígio — têm menos acesso a redes por sofrerem discriminação com base nessas características?

Pedro C. Sant'Anna, mestre em economia pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV); membro da REPP (Rede de Economistas Pretas e Pretos) - Divulgação

Para testar essa hipótese, eu e os pesquisadores Nicolás Ajzenman (McGill University e FGV-EESP) e Bruno Ferman (FGV-EESP) conduzimos um experimento aleatorizado no Twitter, rede social bastante utilizada para estabelecer contatos profissionais no meio acadêmico. Nós criamos contas fictícias que se pareciam com pessoas reais e diziam ser alunos de PhD (doutorado) em faculdades americanas. As contas eram idênticas entre si a não ser por três características: gênero (masculino ou feminino), identidade racial (branca ou negra) e a faculdade em que diziam estudar (uma das 10 faculdades de mais prestígio nos EUA ou faculdades relativamente menos prestigiosas). A figura a seguir ajuda a ilustrar o experimento.

Exemplos de contas utilizadas no experimento. Na descrição em inglês, lê-se: "aluno de PhD em [Faculdade]. Interessado(a) em desenvolvimento econômico" - Reprodução

As contas experimentais seguiram de forma aleatória perfis de diversos economistas de todo o mundo no Twitter. Após alguns dias, medimos a proporção de economistas que, de maneira recíproca, as "seguiam de volta". Ao comparar a proporção de "seguidas de volta" para cada tipo de conta, podemos identificar a existência (ou não) de discriminação neste comportamento, uma vez que, com exceção das características que manipulamos, nossas contas eram idênticas.

O número de seguidores é fundamental para se beneficiar da presença no Twitter, pois são eles que verão aquilo que compartilhamos. Quanto mais seguidores, maior o alcance e impacto potencial de uma conta nesta rede social. Por esse motivo escolhemos essa métrica para estudar a formação de redes profissionais.

Nossa escolha por focar na comunidade de economistas acadêmicos no Twitter também não foi por acaso. Primeiro, redes de contato são particularmente determinantes no meio acadêmico. Segundo, a profissão de economia, tanto internacionalmente quanto no Brasil, vem ampliando o debate quanto a sua falta de diversidade (como discutido, por exemplo, nos depoimentos desses inspiradores economistas negros brasileiros).

A falta de diversidade tem efeitos negativos não apenas para os grupos marginalizados, mas também para a profissão como um todo: quando a maioria dos pesquisadores possui vivências homogêneas, há potencialmente menos inovação e temas importantes deixam de ser estudados. Terceiro, a comunidade de economistas é bastante ativa no Twitter, ideal para nosso experimento.

No experimento, criamos 80 contas fictícias e seguimos cerca de 8.000 economistas nessa rede social. O que descobrimos é que, de fato, o número de conexões recebidas varia significativamente a depender das características do estudante. Comparando os casos mais extremos, vimos que mulheres brancas que estudam em universidades de alto prestígio foram "seguidas de volta" em 23,9% dos casos, enquanto homens negros de faculdades relativamente menos prestigiosas, em apenas 14,4%; uma diferença de mais de 65%.

Os principais resultados estão representados no gráfico a seguir. Alunos negros tiveram 10% menos chance de receberem "seguidas de volta" do que brancos, enquanto alunos que diziam estudar em faculdades do "top 10" americano receberam quase 22% mais "seguidas". Além disso, as mulheres tiveram 25% mais "seguidas" do que os homens.

As barras verticais representam intervalos de 95% de confiança para as estimativas; em todos os casos, é possível afirmar que a diferença nas médias dos dois grupos representados em cada figura é estatisticamente significante ao nível de 5% - Reprodução

As diferenças encontradas são substanciais e demonstram quantitativamente que há disparidades no acesso às redes acadêmicas entre membros desses diferentes grupos, o que pode contribuir para a falta de diversidade na profissão. Os resultados referentes à raça e afiliação universitária são consistentes com as percepções de economistas e com as evidências de disparidades nestas dimensões.

Porém, o resultado para gênero é surpreendente por ir de encontro às inúmeras evidências de discriminação contra mulheres no meio acadêmico. Diferentes mecanismos podem explicar este resultado, com consequências potencialmente diversas. Por exemplo, alguns usuários do Twitter podem estar ativamente buscando se engajar mais com mulheres para tentar reduzir barreiras de gênero na profissão. Entretanto, também é possível que alguns estejam usando a plataforma com o objetivo de estabelecer relações de natureza social (e não profissional). O fato de que encontramos evidência sugestiva de que usuários homens priorizam seguir as contas experimentais femininas em uma proporção maior do que usuárias mulheres pode indicar qual dos tipos de mecanismo é dominante, embora o experimento não seja capaz de elicitar a motivação por trás de cada "seguida".

Em nosso trabalho, discutimos outros resultados e detalhes da implementação. De forma geral, o experimento que realizamos é relevante por ser o primeiro a quantificar a existência de discriminação na formação de redes profissionais. Essas evidências podem contribuir para subsidiar políticas e programas que busquem reduzir disparidades e barreiras contra grupos marginalizados. Entretanto, muita pesquisa no tema ainda se faz necessária para entender, por exemplo a motivação por trás de cada "seguida" e para investigar de que forma discriminações sofridas em diferentes etapas da carreira se somam e interagem.

Ainda assim, um experimento como o nosso é um primeiro passo ao mostrar que, mesmo em um ambiente online — potencialmente mais democrático —, diferentes grupos enfrentam diferentes barreiras para serem ouvidos e desenvolverem contatos profissionais.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Pedro C. Sant’Anna foi "Pela Internet 2", de Gilberto Gil.

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